Archive for 2012

«Sejam amigos!»

«Se conhecesses o mistério imenso
do Céu onde agora vivo,
este horizonte sem fim,
esta luz que tudo reveste e penetra,
não chorarias, se me amas!
Estou já absorvida no encanto de Deus,
na sua infindável beleza.
Permanece em mim o teu amor,
uma enorme ternura
que tu nem consegues imaginar.
Vivo numa alegria puríssima.
Nas angústias do tempo, pensa nesta casa
onde um dia estaremos reunidos
para além da morte, matando a sede na fonte
inesgotável da alegria e do amor infinito.
Não chores, se verdadeiramente me amas!»

Santo Agostinho
27 dezembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Passagem da noite


«É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no meu amigo.
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!»

Carlos Drummond de Andrade
12 dezembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Os trombudos, de MEC

«Uma seita que a crise denunciou bem denunciada foi a seita dos trombudos. Já eram trombudos quando ainda havia algum dinheiro e algum trabalho. Hoje já não há maneira de piorarem a tromba que sempre tiveram, para assinalar a pioria geral que também os atingiu, com toda a força democrática, como se dantes tivessem sido lanternas de esperança, optimismo e boa disposição. Muitos dos que antes eram felizes - talvez sem razão - mas que hoje, com razão, já não o são, tornaram-se trombudos convincentes. Ao deprimir os que ainda têm alguma sorte, prestam um serviço: avisam-nos que a tempestade já chegou. Mas os trombudos de sempre - os pessimistas profissionais que confundiram a relativa felicidade com a fatalidade da nossa actual miséria - não conseguiram acompanhar os movimentos deprimentes dos tempos, porque não deixaram folga na tromba, como quem poupa neura para um dia em que sempre chova, como no sábado passado.
Os portugueses mais novos - os que mais têm razão para estarem trombudos - contrariam uma trombudice de sempre, de que sempre se queixaram quem nos visitou. Nós somos o adjectivo inglês glum. Os trombudos eternos orgulhavam-se disso. Durante a mão-cheia de anos de alívio, avisaram-nos, com tanto prazer como razão, que era sol de pouca dura.
É verdade que durou pouco e que não foi graças a nós. Mas foi sol. E o sol não se esquece. Os trombudos, ao manter os semblantes enquanto a noite se instala, anoiteceram antes do tempo.»

Miguel Esteves Cardoso
29 novembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Defender a Esperança


«Diz-se que "a esperança é a última a morrer"; é verdade, mas precisa de ser defendida. A esperança, de facto, não é puro optimismo, não é automática, nem é totalmente espontânea. Pode crescer ou diminuir, tem que ser defendida, guardada, consolidada. Como? O caminho não é negar a realidade, nem evitar conhecê-la. Isso não passa de fuga...
Precisamos de não nos deixar "envenenar", sobretudo diante de uma comunicação social tão negativa e parcial, precisamos de aprender a ver o lado positivo das pessoas e acontecimentos, precisamos de "tirar partido" dos factos e circunstâncias, precisamos de ver na inegável e profunda crise também uma oportunidade e utilizá-la. É a altura de mudar hábitos e rotinas, de dar espaço à criatividade, de não ficar apenas no lamento e de braços cruzados.
A crise é bem real, mas é também uma crise de desânimo e, como se diz, "não há mal que sempre dure". É preciso lutar, tentar, reconhecer que a nossa situação colectiva não é sequer comparável à de muitas situações, muito piores, do nosso tempo e do nosso mundo.
Defender a esperança em nós, antes de mais, mas também defendê-la nos outros, ajudá-los, animá-los, não os deixar afundar ou desistir.
Se o que acabámos de escrever vale para todos, é também uma questão de bom-senso e de sanidade mental, vale muito mais para aqueles que se dizem cristãos, aqueles para quem a fé é princípio e fonte de vida. A fé autêntica, na verdade, desemboca em caridade, em solidariedade e partilha, mas também, necessariamente, em esperança.
A confiança, a certeza de que Deus está connosco, nos acompanha e que só permite o mal para tirar dele o bem e ver o bem maior, é sinal distintivo de uma fé adulta e responsável.
Portanto, pôr os meios possíveis, confiar e não se deixar vencer pelo desânimo e pelo desespero.»

Pe. António Vaz Pinto, sj

19 novembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

L'enfance est belle





Acordar vinte minutos mais cedo para poder estar com os meus colegas no recreio antes das aulas. Não me deixarem tomar café. Mandar papelinhos numa aula. Gozar com as meninas vaidosas, sempre a cochicharem sobre os rapazes que são giros. O toque da escola, a correria para ver quem chegava primeiro ao campo de terra batida para jogar futebol, senão tinha que jogar no campo de gravilha. Sufragar por um croissant. A perícia de lançar um pião. O dia de comprar cromos de futebol e levar o maço de repetidos para trocar com os amigos. O meu pai deixar-me ficar com ele na sala à noite a ver um filme sem a minha mãe dar conta. Esperar que os meus avós me viessem buscar à escola e passar a tarde com eles porque os meus pais estavam a trabalhar. Os gelados do dia de Santa Rafaela Maria. Apanhar o autocarro 78 às 7h da manhã de sábado com a minha avó para ir com ela para o hospital de S. João. Entrar no Estádio das Antas sem precisar de bilhete porque como sou pequeno consigo passar por cima da cancela. A magia de os meus pais me organizarem uma festa de anos e receber brinquedos. Ficar feliz da vida quando recebia uma moeda de cinquenta escudos. Acordar às seis e meia da manhã de sábado para ouvir a música de abertura da Sic e ver todos os desenhos animados dos quatro canais. Ler um livro d'Os Cinco. Os tazos da Matutano. Ver o meu avô a descascar laranjas e a imitar um homem com barbas. Ter medo do conde drácula da Rua Sésamo. Ir um mês de férias para o Algarve, fazer exercícios da colecção Férias Constância e escrever cartas à minha mãe. Ler os almanaques da Turma da Mónica como quem come pipocas. Esperar ansiosamente pelo próximo filme da Disney. Não precisar de um telemóvel ou de internet para me encontrar com os meus amigos.


Tenho saudades de ser feliz com o essencial.


15 novembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Sabedoria Eclesiástica



Tudo tem o seu tempo e ocasião, todas as tarefas sob o sol:

Há tempo de nascer, e tempo de morrer;

Tempo de plantar, e tempo de arrancar;

Tempo de matar, e tempo de sanar;

Tempo de derrubar, e tempo de construir;

Tempo de chorar, e tempo de rir;

Tempo de fazer luto, e tempo de dançar;

Tempo de atirar pedras, e tempo de as apanhar;

Tempo de abraçar, e tempo de se separar;

Tempo de procurar, e tempo de perder;

Tempo de guardar, e tempo de deitar fora;

Tempo de rasgar, e tempo de coser;

Tempo de calar, e tempo de falar;

Tempo de amar, e tempo de odiar;

Tempo de guerra, e tempo de paz.

25 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Falar verdade a duvidar





«Io veggio ben che già mai non si sazia
nostro intelletto, se 'l ver non lo illustra
di fuor dal qual nessun vero si spazia.

Posasi in esso, come fera in lustra,
tosto che giunto l'ha; e giugner puollo:
se non, ciascun disio sarebbe frustra.

Nasce per quello, a guisa di rampollo,
a piè del vero il dubbio; ed è natura
ch'al sommo pinge noi di collo in collo.»






Dante,  Paradiso, IV, 124-132

24 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Tempo para estar e ouvir

«Um bom exemplo da importância deste exercício, revelador do valor que damos às nossas prioridades na distribuição do tempo, é este conselho que já tenho dado algumas vezes a alguns pais: convidem os vossos filhos para almoçar! Um de cada vez e com tempo... para estar e ouvir. Ou vão dizer-me que não têm tempo?
(...)

"convida-o para almoçar...".

Ele ficou sem saber o que dizer... "Sim, põe na tua agenda, e convida-o para almoçar. Telefona-lhe para o telemóvel, e convida-o para almoçar. Mas não para lhe perguntares pelas notas, não para saber se tem namorada... Não para fazer essas perguntas todas que os pais têm a mania de fazer e que às vezes não deviam fazer, ou que deviam fazer, mas na hora certa, e sem aquele ar 'chateado' e no meio de outras gritarias! Tens tempo para todos os almoços de trabalho que queres, por que é que não hás-de almoçar com o teu filho?... Este é um almoço de trabalho do afecto! Porque ele sabe que tem pai, saber sabe... mas não o sente. O grande problema pode vir daí: se ele não 'sente' que tem pai... e tu também não vais tendo oportunidade (tempo) de exercer a tua paternidade, fica difícil. Experimenta exercê-la mais vezes!".

(...)

Portanto, cada um que se examine. Pois, a questão é esta: se eu quiser ter tempo para aquela criança, tenho.

(...)

Nós temos tempo para aquilo que realmente queremos, para aquilo que levamos no coração, não para aquilo que levamos na cabeça. E há aqui um trabalho enorme a fazer de educação dos afectos.»


P. Vasco Pinto Magalhães, sj
Só avança quem descansa
23 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Ainda te falta alguma coisa


Só Deus pode criar, mas tu podes dar valor ao que Ele criou.
Só Deus pode dar a vida, mas tu podes transmiti-la e respeitá-la.
Só Deus pode fazer crescer, mas tu podes guiar e orientar.
Só Deus pode dar a fé, mas tu podes ser um sinal de Deus para o teu irmão.
Só Deus pode dar o amor, mas tu podes aprender a amar o teu irmão.
Só Deus pode dar a esperança, mas tu podes devolver a confiança ao teu irmão.
Só Deus é o caminho, mas tu podes ensiná-lo ao teu irmão.
Só Deus pode fazer milagres, mas tu tens de oferecer-Lhe os teus cinco pães e dois peixes.
Só Deus pode fazer o impossível, mas tu tens de fazer o possível.
Só Deus Se basta a Si mesmo, mas Ele quis ter necessidade de cada um de nós.



22 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

A ilustre casa portuguesa



«Já se viam chegados junto à terra
que desejada já de tantos fora,
que entre as correntes Índicas se encerra
e o Ganges, que no Céu terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
quereis levar a palma vencedora:
já sois chegados, já tendes diante
a terra de riquezas abundante!

A vós, ó geração de Luso, digo,
que tão pequena parte sois no mundo,
não digo inda no mundo, mas no amigo
curral de Quem governa o Céu rotundo;
vós, a quem não somente algum perigo
estorva conquistar o povo imundo,
mas nem cobiça ou pouca obediência
da Madre que nos Céus está em essência.

Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
que o fraco poder vosso não pesais;
vós, que, à custa de vossas várias mortes,
a Lei da Vida Eterna dilatais:
assim do Céu deitadas são as sortes
que vós, por muito poucos que sejais,
muito façais na Santa Cristandade,
que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!

Vede-los Alemães, soberbo gado,
que por tão largos campos se apascenta;
do sucessor de Pedro rebelado,
novo pastor e nova seita inventa;
vede'lo em feias guerras ocupado,
que inda co cego error se não contenta,
não contra o soberbíssimo Otomano,
mas por sair do jugo soberano.

Vede-lo duro Inglês, que se nomeia
rei da velha e santíssima Cidade,
que o torpe Ismaelita senhoreia
(quem viu honra tão longe da verdade?),
entre as boreais neves se recreia,
nova maneira faz de cristandade:
para os de Cristo tem a espada nua,
não por tomar a terra que era sua.

Guarda-lhe, por entanto, um falso rei
a cidade Hierosólima terreste,
enquanto ele não guarda a Santa Lei
da Cidade Hierosólima Celeste.
Pois de ti, Galo indigno, que direi?
Que o nome «cristianíssimo» quiseste,
não para defendê-lo nem guardá-lo,
mas para ser contra ele e derribá-lo!

Achas que tens direito em senhorios
de cristãos, sendo o teu tão largo e tanto,
e não contra o Cinífio e Nilo rios,
inimigos do antigo Nome Santo?
Ali se hão-de provar da espada os fios
em quem quer reprovar da Igreja o Canto.
De Carlos, de Luís, o nome e a terra
herdaste, e as causas não da justa guerra?

Pois que direi daqueles que em delícias,
que o vil ócio no mundo traz consigo,
gastam as vidas, logram as divícias,
esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tirania inimicícias,
que o povo forte tem, de si inimigo.
Contigo, Itália, falo, já sumersa
em vícios mil, e de ti mesma adversa.

Ó míseros Cristãos, pela ventura
sois os dentes, de Cadmo desparzidos,
que uns aos outros se dão à morte dura,
sendo todos de um ventre produzidos?
Não vedes a Divina Sepultura
possuída de Cães, que, sempre unidos,
vos vêm tomar a vossa antiga terra,
fazendo-se famosos pela guerra?

Vedes que têm por uso e por decreto,
do qual são tão inteiros observantes,
ajuntarem o exército inquieto
contra os povos que são de Cristo amantes;
entre vós nunca deixa a fera Aleto
de semear cizânias repugnantes.
Olhai se estais seguros de perigos,
que eles, e vós, sois vossos inimigos.

Se cobiça de grandes senhorios
vos faz ir conquistar terras alheias,
não vedes que Pactolo e Hermo rios
ambos volvem auríferas areias?
Em Lídia, Assíria, lavram de ouro os fios;
África esconde em si luzentes veias;
mova-vos já, sequer, riqueza tanta,
pois mover-vos não pode a Casa Santa.

Mas, entanto que cegos e sedentos
andais de vosso sangue, ó gente insana,
não faltarão cristãos atrevimentos
nesta pequena Casa Lusitana:

de África tem marítimos assentos;
é na Ásia mais que todas soberana;
na quarta parte nova os campos ara;
e, se mais Mundo houvera, lá chegara.»


Luís de Camões, Os Lusíadas

19 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Then I saw God


«Que maravilhosa a visão das colinas às 7h45 da manhã! Sendo as mesmas de sempre à tardinha, recolhem a essa hora a luz duma maneira inteiramente nova, simultaneamente terrena e etérea, com delicadas manchas de sombra e escuros enrugamentos e ondulações de terreno em lugares onde nunca os vira antes, e tudo ligeiramente velado por uma neblina que lhe dá a aparência de costa tropical, ou de continente recentemente descoberto. Uma voz parecia gritar dentro de mim: "Olha, repara bem". Porque estas é que são as verdadeiras descobertas, e para isso é que estou aqui no mais alto mastro da minha nau (onde sempre estive) e sei que a direcção que levamos é a correcta, pois nos cerca a toda a volta o mar do paraíso»

Thomas Merton
04 outubro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

"O mal-entendido", por João César das Neves



Uma das poucas coisas em que há acordo é que Portugal precisa de crescimento. Não só é a única forma de vencer a recessão e desemprego, mas a sua falta é a causa da desconfiança financeira.


Infelizmente este consenso, que deveria levar a atitudes e projectos comuns, quebra logo a seguir, devido a um estranho mal-entendido. É espantoso mas muitos dos que afirmam com clareza a urgência de promover o crescimento e criação de emprego, logo na frase seguinte se põem a falar de outro tema, propondo medidas e intervenções que não só pouco têm a ver com a dinâmica produtiva, mas até a prejudicam.

Este terrível erro, que pode ter consequências gravíssimas no futuro, advém do esquecimento de um facto simples, evidente, incontornável, base central da vida económica, mas frequentemente omisso nos raciocínios de muitos que se dizem especialistas nessas coisas. O crescimento económico só se pode verificar nas empresas, através do trabalho produtivo e investimento rentável, envolvendo mercados equilibrados e eficientes, para satisfazer as necessidades da população. Através do esforço, engenho, iniciativa e dinamismo dos agentes económicos, empenhados a fundo em actividades lucrativas, é que se consegue o tão desejado progresso.

Deste princípio básico e indiscutível saem vários corolários elementares, que as discussões comuns violam de forma ingénua. Por exemplo, se crescimento é isto, então não se trata de uma questão de política, decretos e institutos. Trata-se de economia, empresas, empregos, não diplomas, estudos, discursos. O Estado tem um papel decisivo na sociedade, mas não é fazer crescimento, ter bébés ou marcar golos.

Só que o segundo fôlego de quem fala sobre estes assuntos é sempre dedicado à intriga ministerial. Promover crescimento é, segundo eles, dar subsídios (que implica impostos que oprimem a economia), criar incentivos (que distorcem o dinamismo e rigidificam a estrutura), fazer planos (que estabelecem clientelas e prejudicam negócios), ajudar sectores (que perpetua favores e encarece produtos). Esta foi precisamente a política seguida pelos sucessivos ministérios que nos trouxeram à crise. Eles achavam saber melhor que a sociedade o que havia a fazer, e o resultado está à vista. A década perdida da economia portuguesa, que já se aproxima de década e meia, foi o mais intenso período de política de crescimento da nossa história. Isto não constitui um paradoxo pelo simples facto de que crescimento económico não é política, mas economia. Em certo sentido é o oposto da política.

A razão deste mal-entendido não é distracção ou ignorância. O motivo é que grande parte daqueles que exigem crescimento têm uma agenda própria, que pretendem mascarar de progresso. O que se passa é que na nossa comunicação social raramente se ouve a voz das forças produtivas, dos consumidores, dos pobres. Quem domina o espaço mediático são os grupos de pressão, interesses instalados, organismos de poder. Esses são os que ganham dinheiro com os subsídios, incentivos, planos e ajudas. Esses, mesmo que o crescimento nunca chegue a ser promovido, já receberam o seu. O que eles querem não é crescimento mas política de crescimento.

Portugal precisa de crescimento. Para isso é urgente liberalizar a economia, deixar trabalhadores e patrões fazerem aquilo que sabem, satisfazer clientes, nacionais ou estrangeiros, sem terem ministros, deputados, burocratas e intrigistas a tapar o caminho. É urgente que as principais preocupações das empresas sejam as necessidades dos consumidores e a ameaça dos concorrentes, não os regulamentos e formulários, requerimentos e licenças, grupos de pressão e interesses. Disso temos tido a nossa conta nas últimas décadas, e com eles aprendemos a destruir o crescimento. Agora está na altura de inverter o processo porque, como todos estamos de acordo, Portugal precisa de crescimento.
12 setembro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Fiódor Dostoiévski, "Os Irmãos Karamázov" (1ª Parte)

«Não há nem pode haver pecado na Terra que Deus não perdoe a quem se arrependa sinceramente. Nem o homem é capaz de cometer um pecado tão grande que esgote o infinito amor de Deus. Existirá algum pecado que supere o amor de Deus? (...) O amor é um tesouro tão inapreciável que com ele se pode resgatar todo o mundo e não só resgatar os nossos pecados como os pecados alheios.»

«No fundo não receamos muito todos esses socialistas, anarquistas, descrentes e revolucionários; vigiamo-los e conhecemos bem a táctica deles. Mas existem entre eles, por poucos que sejam, algumas pessoas muito especiais: são crentes e cristãs mas, ao mesmo tempo, socialistas. É a esses que mais receamos, é uma gente terrível! O socialista cristão é mais temível do que o socialista descrente.»

«o homem não procura tanto Deus como procura o milagre»

«não chores, a vida é um paraíso e todos estamos no paraíso, só que não queremos saber disso, porque, se quiséssemos saber, amanhã mesmo seria o paraíso em todo o mundo.»

«Para que havemos de contar os dias se até um dia chega para o homem conhecer toda a felicidade?»

«Da casa dos meus pais eu apenas tinha recordações queridas, porque o homem não pode ter recordações mais preciosas do que as da sua primeira infância na casa dos pais, e sempre assim acontece, mesmo que o amor e a concórdia na família sejam pequenos. Até da família menos boa é possível guardar recordações preciosas, se tivermos alma para procurarmos o que é precioso.»

«É preciso lançar apenas uma pequena semente, minúscula: se a semente cair na alma do homem simples, não morrerá lá, viverá na sua alma durante toda a vida, esconder-se-á dentro dele mesmo no meio das trevas, no meio do fedor dos pecados, como um ponto luminoso, como uma grande recordação.»

«Jovem, não esqueças a oração. De cada vez, na tua oração, se ela for sincera, cintilará um novo sentimento e, nesse sentimento, uma ideia nova que não conhecias antes e que agora te reanima. E perceberás que a oração é educação.»

15 agosto 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Vamos à raiz do problema

Um dos principais problemas (ou o principal) da crise financeira que Portugal atravessa é a demografia actual. Ter muito menos população e uma pirâmide demográfica invertida gera tantos problemas económicos que nem vale a pena listá-los. E com a dívida que o país tem, e uma segurança social que promete o que não pode cumprir, ainda se torna mais grave. Um forte decréscimo na população autóctone dum país é sempre um problema sério, de consequências vastas e prolongadas no tempo.

Fonte: Cachimbo de Magritte
24 julho 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

O fantasma do passado


«Paira-me à superfície do cansaço qualquer coisa de áureo que há sobre as águas quando o sol findo as abandona. Vejo-me como ao lago que imaginei, e o que vejo nesse lago sou eu. Não sei como explique esta imagem, ou este símbolo, ou este eu em que me figuro. Mas o que tenho por certo é que vejo, como se de facto visse, um sol por trás de montes, dando raios perdidos sobre o lago que os recebe a ouro escuro.»


Fernando Pessoa
in Livro do Desassossego
21 julho 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

O ilusionismo de Relvas


O circo que se instaurou pela descoberta de mais uma licenciatura polémica duma figura importante do Governo português foi um mero ataque circunstancial à credibilidade dos políticos? Ou terá antes sido uma manobra estratégica do próprio Governo?



Enquanto as manchetes dos jornais e os destaques televisivos se focavam na Universidade Lusófona de Lisboa, em Belém alinhavava-se o ataque aos subsídios do sector privado como forma de "combater as injustiças" em relação ao sector público. O Tribunal Constitucional, como se temia, entendeu que os sacrifícios da austeridade não podem ficar confinados aos funcionários públicos e pensionistas e deveriam ser, de certa maneira, estendidos, pelo menos numa medida equivalente, aos outros cidadãos. Portanto, no entendimento de Passos Coelho, é mais justo cometer duas ilegalidades do que pôr termo a uma.
Para desviar o olhar desta nova polémica, imediatamente se reacendeu o interesse na licenciatura de Miguel Relvas, que autorizou os media à consulta ao seu dossier académico, dando assim mais tempo de antena para discussões sobre as formações "em cima do joelho" dos políticos portugueses, os jogos de cadeiras de poder e todos os afins que nos levam a questionar até que ponto valerá a pena investir numa formação académica.
Miguel Relvas, além de se afigurar como o bobo da corte, dá cartadas de Luís de Matos. Uma cadeira à qual poderá ainda ter equivalência, se tudo o que achamos ser aparentemente transcendente continuar a revelar-nos surpresas.
08 julho 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Renascer



“E não nos deixeis cair em tentação”.
Rezo devagar estas palavras, fazendo-as minhas. 
Não me deixes, Senhor. 
Não me deixes quando as paredes do tempo se tornam instáveis
e as palavras de hoje têm a dureza do pão amassado de ontem. 
Não me deixes quando recuo porque é difícil, 
quando quase me inclino perante a idolatria do que é cómodo e vulgar. 
Não me deixes atravessar sozinho os baços corredores da incerteza,
ou perder-me no sentimento do cansaço e da desilusão. 
Não me deixes tombar na maledicência e no descrédito quanto à vida.
Que a Tua mão levante à altura da luz a minha esperança!
Que o Teu nascimento inspire os meus renascimentos. 
Que a Tua presença me ensine o que é tornar-se presente.
Que o dom que fazes de Ti me ajude a fazer da vida oferenda de amor. 


 José Tolentino Mendonça

16 maio 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

O coming out de um pro-life


Dificilmente poderei ser considerado um conservador nos costumes. Sou a favor da legalização total das drogas, do jogo e contra a existência do crime de lenocínio. Acho que o contrato de casamento não deve ser tipificado, mas a sê-lo não deverá impôr restrições de género ou número. Acho que um casal deve poder recorrer aos métodos que achar necessários para constituir família desde que não viole os direitos de outrém, e considero a institucionalização como o pior destino possível a dar a uma criança que perca os pais biológicos.

Foi, assim, quase com naturalidade que tomei posição em favor da legalização do aborto há uns anos atrás. Os argumentos eram quase lógicos e o simples abanar da bandeira da liberdade da mulher utilizar o seu corpo, apelava aos meus instintos libertários. Também contribuiu para esta posição uma simples tomada de consciência de que, a certa altura na minha vida, se tivesse tivesse acontecido contribuir para uma gravidez indesejada, provavelmente teria patrocinado um aborto. Considerei que seria hipócrita não apoiar a legalização de algo que eu teria incentivado no passado se tivesse caído nessa situação.

Desde que o aborto foi legalizado em Portugal, ocorreram 80 mil abortos. Sugiro ao leitor que pare e tente visualizar este número. Este número corresponde a um estádio da luz cheio ou ao número de crianças em 500 escolas primárias. Corresponde a cerca de 16% de todas as crianças nascidas no mesmo período de tempo. Não tenho preparação para discutir questões filosóficas ou médicas sobre quando efectivamente acontece o início da vida, mas segui a discussão o suficiente para saber que não existe consenso científico em relação a esse momento (da mesma forma que não existiu consenso científico em relação ao estatuto de ser humano de Índios e escravos no passado). Na altura, assumindo a dúvida, pensei que o melhor fosse deixar à mulher a opção. Assumo agora que estava errado.

Em muitos momentos da história, os povos caíram no erro de menosprezar formas de vida humana que consideravam inferiores. Os índios americanos, os negros na África colonial, os escravos nos EUA, as crianças de Esparta ou as mulheres em diversos locais tiveram a certa altura o seu direito à vida desvalorizado. Todas estas discriminações eram aceites pacificamente por todos os contemporâneos como banais. Todos estes povos sem excepção acabaram por ser crucificados pela história. O caso histórico recente do nazismo é um bom exemplo deste facto. Apesar do regime nazi não ter sido o mais mortífero de todos (a revolução cultural Chinesa e o Stalinismo foram directamente responsáveis por mais mortes), há algo de aterrorizante na forma como uniu todo um povo no horror. Ao contrário das mortes do Stalinismo, as mortes nos campos de concentração eram aceites como necessárias e normais pela maioria, e não apenas por uma elite. Havia um consenso, que emergiu quase de forma natural, de que judeus, ciganos e homossexuais tinham um direito à vida mais limitado. Tudo isso foi racionalizado de uma forma ou de outra, e aceite por todos como natural. Quando por vezes se questionam alemães que eram adultos nessa altura e que tiverem um papel qualquer menor em toda a máquina de guerra, sobre o porquê de terem aceite fazer parte disso, a resposta tímida é invariavelmente a mesma: tudo parecia natural, a maioria das pessoas não estava consciente de estarem a fazer parte de uma matança. Isto porque se foram dando passos lentos, que fizeram tudo aquilo parecer lógico e inevitável.

Hoje, alimentados pela dúvida legítima sobre o momento exacto do início da vida, temos duas opções. A primeira opção é assumir-se pró-vida e arriscar-se, quando a dúvida for desfeita, a ser acusado de ter contribuido para a limitação da liberdade das mulheres.  A segunda opção é defender a liberdade de escolha e arriscar-se, se vier a haver consenso de que a vida de facto começa no momento da concepção, a ter sido cúmplice de uma das maiores chacinas da história da humanidade. Entre as duas opções, a que me aterroriza mais é a segunda. No primeiro caso poderemos sempre argumentar que a liberdade da mulher utilizar o seu corpo esteve sempre presente, mas apenas até ao momento da concepção. Aterroriza-me muito mais pensar que poderei estar hoje no papel do pequeno funcionário público alemão que despachava as roupas dos judeus assassinados. Aterroriza-me pensar que ao aceitar o aborto como um acto legal e, pior do que isso, banal, fui cúmplice menor no assassinato de 80 mil vidas humanas. Quando daqui a 40 anos se realizar o aborto 1,000,000, e me questionarem porque fui complacente, irei mostrar este texto. Temo que não me irá absolver por completo.

Carlos Guimarães Pinto
 
13 março 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Como se manda uma montanha abaixo

17 fevereiro 2012
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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