Archive for agosto 2011

Aqui dentro não sou nada

Trincafiam os quatro vultos brancos
A fera entorpecida, que contesta,
E selvagem, vorazmente infesta,
As garras de demónios mil e tantos.

Já o mar parece mais aéreo,
Já o vento não se sente enquanto passa.
E o sentimento que todo artista acossa,
Se descampa numa nuvem de mistério.

Mas liberdade, jamais acorrentada,
É folha fresca, fruto da nascente.
De todo esta alma viva vos consente,
Que seu ser emancipado volte ao nada.

E assim voas, destemido animal bravo!
Tudo largas e peleias. Nada impede,
Que enclausurado esta prisão te quede.
Ao sonho entregas tal clamor que te faz vivo.´



NMG

17 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Fado do estudante (por Vasco Santana)


15 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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05 Agosto 2011 'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte V)

JOHN RAWLS: o primado da justiça numa sociedade pluralista

     Os eixos fundamentais do pensamento de Rawls são, por um lado, a prevalência dada ao que chama "a primeira virtude da sociedade" e, por outro, a necessidade teórica e prática de pensar a virtude social da justiça no quadro pluralista que marca as democracias constitucionais, ou Estados de direito.
     Uma sociedade justa de cidadãos livres e iguais, mas divididos nas suas doutrinas abrangentes, é possível na medida em que uma concepção pública de justiça restrita ao domínio político possa ser o foco de um consenso de sobreposição entre doutrinas abrangentes  razoáveis que fundamente os aspectos essenciais da constituição e os principais arranjos económicos e sociais. O bem do sistema de cooperação é simultaneamente o bem dos seus membros. Contudo, esta visão substantiva é, em parte, uma realidade e, também em parte, uma utopia.
     Partindo da ideia de sociedade como um sistema de cooperação, mas também conflito, entre indivíduos livres e iguais, quais são os princípios da justiça que podem estabelecer um adequado equilíbrio quanto às reivindicações respeitantes às vantagens e encargos dessa cooperação, quer em termos de direito e liberdades básicas, quer em matéria económica e social? O que é uma sociedade justa de pessoas livres e iguais? Como é possível a existência de uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais divididos nas suas doutrinas religiosas, morais e filosóficas?
     Segundo Rawls, à filosofia política podem-se atribuir quatro papéis fundamentais. Em primeiro lugar, tem uma função prática, surgindo quando existem importantes divisões na sociedade, por exemplo quando não se encontra consenso sobre o modo correcto de entender a liberdade. Em segundo lugar, a filosofia política tem uma função de orientação, permitindo conceber os fins e propósitos da sociedade no seu conjunto e o papel das pessoas como cidadãos dessa sociedade. Em terceiro lugar, tem um papel de reconciliação, permitindo compreender a racionalidade das instituições sociais formadas ao longo do tempo. Por fim, tem a função de formular uma "utopia realista" que conjugue uma visão ideal da sociedade justa com a exequibilidade social, tendo em atenção a realidade histórica. Em suma, a filosofia política parte dos desacordos existentes na sociedade e permite uma orientação e uma reconciliação de cada um com a sociedade em que se insere, mas também permite a articulação entre o real e o ideal.
     A liberdade e igualdade fundam-se em dois poderes morais: a capacidade para formular e perseguir uma concepção determinada do bem e a capacidade para um sentido de justiça. O primeiro é uma consequência da racionalidade, enquanto que o segundo advém da razoabilidade. São estes poderes morais, assim como as qualidades usuais do entendimento, que permitem a cada um ser um membro igual do sistema de cooperação social e desenvolver em liberdade a sua concepção do bem.
     A cooperação entre indivíduos iguais e livres requer a distribuição equitativa dos inevitáveis benefícios e encargos resultantes da vida em sociedade. Quando há cooperação existe também conflito em relação à partilha de vantagens e obrigações. É importante notar que, em qualquer sociedade, já existe uma estrutura básica da qual depende a distribuição dos bens sociais primários - liberdades, oportunidades de acesso a poderes e funções, riqueza e rendimentos - que é composta pelo conjunto das principais instituições - constituição, tribunais, estatuto económico, sistema educativo - e pelo modo como elas funcionam em conjunto para determinar na prática os direitos e deveres dos cidadãos. Cada um nasce já num enquadramento regulado por uma estrutura básica da qual depende em boa parte o ponto de partida de cada indivíduo.
     Segundo Rawls, a distribuição dos bens sociais primários segue dois princípios de justiça: o princípio da igualdade em sentido liberal e o princípio da diferença. O primeiro diz que cada pessoa deve ter um direito igual a um esquema inteiramente adequado de direitos e liberdades básicas, compatível com o mesmo esquema para todos, e que deve ser garantido o justo valor às liberdades políticas. O segundo princípio diz que as desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições: ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades; ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.
     Os princípios da justiça são reforçados através do argumento da "posição original". Funciona como um dispositivo de representação para os cidadãos de uma democracia. Na posição original, as partes que nos representam devem escolher a melhor concepção a partir de uma lista prévia fornecida pela história do pensamento político, lista esta que a qualquer momento pode ser alterada, e visa garantir a equidade da escolha e afastar a parcialidade que sói marcar as nossas opções em situação factual. Os princípios da justiça garantem a possibilidade da livre prossecução de qualquer concepção do bem compatível com a justiça e permitem uma clara ordenação das reivindicações quanto à distribuição dos bens sociais primários.
     Um socialismo de Estado não configura uma sociedade justa, conduz a um regime de partido único que controla a economia e pouco utiliza os mecanismos do mercado ou os procedimentos democráticos, violando flagrantemente o primeiro princípio da justiça. Para Rawls, os tipos de estrutura básica mais adequados são o socialismo liberal ou a democracia de proprietários: ambos são favoráveis à existência de um mercado livre e asseguram o direito de propriedade pessoal.
     Se uma sociedade com instituições justas implica uma democracia constitucional e, assim, a protecção das liberdades dos cidadãos, daí resulta um pluralismo de doutrinas abrangentes razoáveis, compatíveis com a justiça, de carácter moral, religioso ou filosófico. Uma doutrina abrangente é uma mundividência que articula valores e virtudes num sistema, muitas vezes apoiada numa visão religiosa ou filosófica. O pluralismo não tem um carácter provisório ou acessório numa sociedade democrática, é uma das suas características naturais e permanentes.

06 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte IV)


ISAIAH BERLIN: da liberdade negativa à sociedade decente

     A filosofia de Berlin caracteriza-se fundamentalmente por uma defesa tenaz da liberdade e um ataque permanente ao dogmatismo inerente ao monismo.
     Berlin alerta-nos para o "poder das ideias" e para a influência que estas têm na formação e organização das nossas visões particulares do mundo. As duas grandes ameaças totalitárias que marcaram o século XX não podiam ser enfrentadas sem que se reconhecessem e compreendessem os alicerces filosóficos que as sustinham. As acções, noções e palavras políticas não são inteligíveis senão no contexto dos temas que dividem os homens que as usam, e o maior deles é a guerra sobre a questão da obediência e da coerção: "Porque é que eu devo obedecer a alguém? Porque é que eu não poderei viver como quero?"; "Se eu desobedecer, posso ser coagido? Por quem, em que medida, em nome de quê?".
     Para Berlin, existem dois modos de conceber a liberdade: uma forma negativa e outra forma positiva. Argumenta que cada um dos conceitos está vulnerável a ser pervertido, transformando-se no próprio vício em função da resistência ao qual o conceito foi pensado.
     A aproximação negativa remete-nos para a resposta à pergunta "Qual é a área na qual o sujeito deve ou pode agir sem a interferência de terceiros?", ou seja, um sujeito é livre na medida em que nenhuma pessoa interfira com a sua acção. Se essa interferência for além de um determinado nível, pode-se dizer que o sujeito está a ser coagido ou, no limite, escravizado. Isto é, só se pode falar em falta de liberdade na estrita em que um determinado agente se veja impedido de atingir um objectivo possível em resultado da interferência deliberada de outros seres humanos. No entanto, como a liberdade não é o único valor político nem o único propósito dos homens, pode ser necessária a sua restrição com vista, por exemplo, a evitar a injustiça ou a miséria generalizada, mas isto não deixa de ser um sacrifício à esfera de liberdade individual: «Se a minha liberdade depende da miséria de um número de outros seres humanos, o sistema que promove esta situação é injusto e imoral. Mas se eu restrinjo ou perco a minha liberdade, com vista a diminuir a vergonha de tal desigualdade, e com isso não aumento a liberdade individual de outros, ocorre perda absoluta de liberdade. Isto pode ser compensado por um ganho em justiça, ou em felicidade, ou em paz, mas a perda permanece, e é uma confusão de valores. (...) Restringir a liberdade não é fornecê-la, e a coacção, não importa quão bem justificada seja, é compulsão e não liberdade».
     Ao conceito negativo de liberdade, opõe-se um outro conceito positivo, que está implicado na resposta à pergunta: "O quê, ou quem, é a fonte de controlo ou de interferência que pode determinar alguém a fazer, ou ser, isto em vez daquilo?". Agora a questão reside em identificar e compreender o quê ou quem tem legitimidade para controlar, ou interferir sobre, o sujeito. Eu sou livre porque sou autónomo, eu obedeço a leis mas eu impu-las sobre mim próprio: liberdade é obediência, mas «obediência a uma lei que nós prescrevemos a nós próprios». Livre é o eu autónomo, aquele que é o senhor de si próprio, aquele que se libertou pela razão. Não obstante, o caminho da libertação pela razão não se restringe apenas ao indivíduo, ele pode e deve ser aplicado às relações entre indivíduos: «Pois se eu sou racional, eu não posso negar que o que é certo para mim deve, pelas mesmas razões, ser certo para os outros que são racionais como eu. Um Estado racional (ou livre) seria ser um Estado governado por leis tais que todos os homens racionais aceitariam livremente».
     Para Berlin, é um lugar-comum que a justiça e a generosidade, ou as lealdades privadas e públicas, podem conflituar violentamente entre si, e daqui pode-se generalizar que nem todas as coisas boas são compatíveis, e menos ainda os ideais da humanidade. Assim sendo, os conflitos de valores podem ser um elemento intrínseco e irremovível da vida humana: «A noção do todo perfeito, da solução derradeira, em que todas as coisas boas coexistem, não só me parece simplesmente inatingível mas conceptualmente incoerente. Alguns de entre os Bens Supremos não podem coexistir. É uma verdade conceptual. Estamos condenados a escolher, e cada escolha pode implicar uma perda irreparável». É neste sentido que se percebe um ataque contra as construções racionalistas monistas e dogmáticas, contra todas as formas de reducionismos que tudo esmagam contra o vazio mortal da uniformidade, porque ao arrogar-se detentor da verdade, o sistema irá inevitavelmente sufocar, oprimir e reprimir qualquer tentativa de liberdade. «O pluralismo (...) parece-me um ideal mais verdadeiro e mais humano do que os objectivos daqueles que, em estruturas grandes, disciplinadas e autoritárias, procuram o ideal do autodomínio positivo, por classes, por povos ou toda a humanidade. É mais verdadeiro, porque, pelo menos, reconhece o facto de os objectivos humanos serem múltiplos, nem todos comensuráveis, e em perpétua rivalidade entre si. É mais humano porque não priva os homens, em nome de um qualquer ideal, remoto ou incoerente, de muito do que descobriram ser essencial às suas vidas, enquanto seres humanos que se autotransformam de forma imprevisível».
      «O melhor que se pode fazer, como regra geral, é manter um equilíbrio precário que previna a ocorrência de situações desesperadas, de escolhas intoleráveis - é este o primeiro requisito para uma sociedade decente».

05 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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