Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves 29 novembro 2012

«Uma seita que a crise denunciou bem denunciada foi a seita dos trombudos. Já eram trombudos quando ainda havia algum dinheiro e algum trabalho. Hoje já não há maneira de piorarem a tromba que sempre tiveram, para assinalar a pioria geral que também os atingiu, com toda a força democrática, como se dantes tivessem sido lanternas de esperança, optimismo e boa disposição. Muitos dos que antes eram felizes - talvez sem razão - mas que hoje, com razão, já não o são, tornaram-se trombudos convincentes. Ao deprimir os que ainda têm alguma sorte, prestam um serviço: avisam-nos que a tempestade já chegou. Mas os trombudos de sempre - os pessimistas profissionais que confundiram a relativa felicidade com a fatalidade da nossa actual miséria - não conseguiram acompanhar os movimentos deprimentes dos tempos, porque não deixaram folga na tromba, como quem poupa neura para um dia em que sempre chova, como no sábado passado.
Os portugueses mais novos - os que mais têm razão para estarem trombudos - contrariam uma trombudice de sempre, de que sempre se queixaram quem nos visitou. Nós somos o adjectivo inglês glum. Os trombudos eternos orgulhavam-se disso. Durante a mão-cheia de anos de alívio, avisaram-nos, com tanto prazer como razão, que era sol de pouca dura.
É verdade que durou pouco e que não foi graças a nós. Mas foi sol. E o sol não se esquece. Os trombudos, ao manter os semblantes enquanto a noite se instala, anoiteceram antes do tempo.»

Miguel Esteves Cardoso

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