Archive for julho 2011

'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte III)

MICHAEL OAKESHOTT: a crítica ao racionalismo e a disposição conservadora

     O pensamento de Oakeshott assimilou no seu melhor a grande tradição da liberdade individual e do pluralismo da civilização, propondo que em cada momento cada sujeito ousasse fazer da sua vida uma vida boa, sem prejuízo de nenhuma das outras vidas com que se vai comprometendo.
     Na linha do Idealismo inglês, uma das principais ideias que Oakeshott desenvolve, de raiz hegeliana, é a seguinte: no que interessa aos propósitos da prática humana, o real é aquilo que é cognoscível, pelo que, só o que pode ser conhecido pode ser experimentado. Ser real é, portanto, pertencer a uma experiência, e toda a experiência é uma "ideia", isto é, o conteúdo de uma  consciência. Assim sendo, a consciência não pode distinguir-se dos seus conteúdos.
     Segundo Oakeshott, a vida vai-se compondo de perspectivas parciais e experiências fragmentárias, mas algumas destas formas distintas são, em princípio, comuns a todos nós - "modos" da experiência - e identifica quatro: Ciência, História, Prática, Poesia. Oakeshott entendia os modos como autónomos e iguais, de forma que nenhum, por si só, pudesse conter a verdade total acerca da experiência, mas cada um participasse igualmente no todo, e o fizesse por "abstracção" dessa totalidade de que era apenas parte. Então, a nenhum modo poderia permitir-se qualquer tentativa de sobreposição ou contradição relativamente aos outros, embora todos tendam naturalmente a invadir o território alheio: interpretar a História à luz de princípios morais, religiosos ou políticos; procurar uma base científica para a moral ou para a política... Nada pode impedir um dos "modos" de construir um discurso interpretativo de uma realidade que não é naturalmente sua, mas esse discurso é sempre irrelevante, porque resulta de um erro de categorização.
     Na sua crítica ao Racionalista, afirma que este acredita que há apenas uma "razão", externa a todas as actividades e, por isso mesmo, válida para todas elas. Portanto, a posse da razão dá ao seu possuidor o direito de reorganizar o mundo de acordo com aquilo que julga serem os critérios estritos da racionalidade. A articulação dos ditames da razão constitui uma "ideologia", e esta materializa-se na prática sob a forma de um "plano" - um programa de acção abrangendo a realidade total e que encontra justificação intelectual na racionalização que lhe deu origem. Para Oakeshott, é absolutamente criticável a ideia de "planear" como forma apropriada para a organização de uma sociedade, porque uma sociedade não é um maquinismo, é pelo menos algo vivo, e o que dá vida e realiza as sociedades é a convergência não planeada das escolhas livres dos indivíduos que a constituem. O único conhecimento social praticamente relevante é aquele que está contido no conjunto das tradições inconscientes que foram emergindo na Prática e governam a sua evolução constante. Por isso, os "planos" estão não só condenados ao fracasso, o qual só pode ser adiado pelo uso contínuo da força repressiva, como constituem um ataque grave à possibilidade de evolução futura da própria actividade social, cujo livre desenvolvimento acabam por impedir. As tradições podem mais fielmente constituir-se como guias de qualquer actividade, visto terem-se desenvolvido como o fruto de um processo de aprendizagem por tentativas e erros, o qual pressupõe uma completa imersão na realidade a que respeitam, e não é por isso permeável a qualquer tentativa de racionalização.
     O erro Racionalista, portanto, é o de imaginar que o conhecimento técnico é a única forma racionalmente aceitável de conhecimento. Os seus próprios erros e falhanços históricos não constituem motivo de auto-aprendizagem, porque o erro nunca é assacado à teoria que a ele conduziu, mas a deficiências na respectiva execução. Em política, na ânsia de conduzir a sociedade pela senda da "perfeição", defendia políticas uniformizadoras incapazes de lidar com a livre variedade de escolhas singulares e reforçava obrigatoriamente a autoridade central do Estado.
     A relação apropriada a desenvolver entre os vários discursos com que se constrói o mundo humano é a "conversação", que se opõe ao argumento ou inquérito, sendo um fim em si mesma, não procurando conclusões mas tendo pela sua própria natureza um carácter permanentemente inconclusivo. Aceita as proposições ou argumentos que possam contribuir para o seu enriquecimento, mas não aceita o monopólio de qualquer tipo de discurso. Tudo o que é verdadeiramente importante na vida é um fim em si mesmo, não tem valor instrumental, e é, neste sentido estrito, literalmente "inútil". Todas as afirmações de carácter "modal" têm que se reconhecer a si mesmas como provisórias e relativas, têm que aceitar que outras espécies de experiências são possíveis. Uma conversação só pode ser bem sucedida numa situação de moralidade, sendo a acomodação de uns indivíduos aos outros na comunidade moral aquilo que caracteriza a conversação. Quanto ao governo, deve ser uma actividade específica e limitada, sem preocupações que não sejam as de manter a paz entre os cidadãos, permitindo-lhes desempenhar em liberdade as actividades que livremente escolheram na procura de felicidade. O objectivo político não pode ser um projecto, pelo que a única regra moral a promover é a da civilidade.
     A questão política da conduta humana coloca-se do seguinte modo: como conciliar liberdade individual e escolha plural, mantendo simultaneamente a coesão social e gerindo civilmente o inevitável conflito de interesses particulares? Oakeshott defendia que o problema teria uma solução dentro do que apelidava de "disposição conservadora". Não somos naturalmente conservadores, mas somo-lo necessariamente muitas vezes. Ser conservador não correspondia a seguir qualquer credo ou doutrina, mas antes dispor-se a pensar e a conduzir-se de uma certa maneira, preferir certas escolhas em determinadas circunstâncias, aprendendo a tirar partido das possibilidades do presente em vez de ansiar nostalgicamente por passados irrecuperáveis ou por eventos futuros incertos. O conservadorismo é, então, uma forma de estar, uma "disposição".O homem de temperamento conservador acredita que um bom presente é sempre preferível a um hipotético melhor futuro, e mostra-se mais disposto a usufruir o que lhe é seguro e conhecido do que a lançar-se em aventuras e explorações de final incerto.
     Como seres de "conversação", estamos permanentemente implicados numa relação infinda de auto-descoberta e associação, temos uma história e não uma natureza. Chamamos liberdade a esta realização histórica colectiva que o indivíduo aprende a cultivar na justa medida em que a reconhece como fonte de protecção individual e pré-condição dos compromissos que toma com os seus pares. Por isso, a disposição conservadora torna-se especialmente adequada no que diz respeito à política, visto que combina a observação e o respeito pela nossa maneira corrente de viver com a crença de que governar é uma actividade específica e limitada. O governo não deve impor qualquer crença perfeccionista ou dirigir a actividade dos sujeitos, mas apenas regular e administrar o jogo social, gerir o debate de acordo com as regras regras conhecidas mas sem participar dele. Os conservadores preferem reforçar as regras existentes do que inventar regras novas, o que fazem apenas em caso de uma insuperável necessidade de adaptação histórica.
    Concluindo, Oakeshott defendia que o que era preciso era recuperar o sentido perdido de uma sociedade cuja liberdade e organização nascem do poder integrador dum vasto e subtil corpo de direitos e deveres partilhados entre os indivíduos, que não são um presente da natureza mas o produto da nossa experiência e inventividade; e recuperar igualmente a percepção da nossa lei enquanto método vivo de integração social.
   
23 julho 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte II)

FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK: liberdade e ordem espontânea

     Hayek marcou a História como um dos mais sérios e demolidores críticos das ideias comunistas e socialistas, tendo sobremaneira contribuído intelectualmente para a queda dos regimes ditatoriais marxistas e para o renascimento do ideal liberal. Este autor demonstrou que a liberdade não é incompatível com a existência de ordem em sociedade, arguindo que a sociedade da abundância é a sociedade liberal, e não a sociedade comunista.

     Uma das ideias fundamentais que estrutura todo o pensamento de Hayek é a ideia da ignorância constitutiva de todo o ser humano: a mente humana não tem a capacidade de explicar, em termos de relação causa-efeito, uma série de fenómenos do mundo natural e social. A compreensão de fenómenos complexos não é impossível, mas é muito menos completa do que a compreensão de fenómenos simples, pois assentará em explicações de princípio, estruturais, gerais. Portanto, remata que é preciso entender que o poder da razão não é ilimitado, embora, se bem utilizado, possa servir o progresso humano.

     Para Hayek, a melhor ordem social será aquela que proporcionar a maximização da possibilidade de cumprimento do maior número de fins individuais. Aquela que melhor cumpre este desiderato é a ordem social liberal ou ordem capitalista, que assenta nos princípios fundamentais da economia de mercado (que, por ser um sistema descentralizado, é muito mais eficiente em permitir a maximização do produto), da liberdade individual (que permite ao indivíduo utilizar os seus conhecimentos na prossecução dos seus fins) e da minimização da coerção (em que o Estado só deve intervir para evitar que os indivíduos se coajam uns aos outros).

     Quanto à justiça social, Hayek afirma ser incompatível com a liberdade. A sociedade não possui uma vontade própria e, para além disso, o facto de determinados cidadãos receberem um rendimento inferior a outros não resulta da quebra de determinadas regras de conduta mas, pelo contrário, do cumprimento das regras do mercado. Também não é possível elaborar regras de conduta que, a serem seguidas por todos de forma igual, conduzissem a resultados que se pudessem considerar “igualmente justos”. Explica que, no mercado, a posição em que cada um se encontra é o resultado não intencional da actuação simultânea de milhões de agentes económicos, e se estes cumpriram as regras de conduta vigentes, tal posição não pode ser injusta.

     Num sistema liberal, os indivíduos só obedecem a regras gerais e abstractas (contrariamente a um sistema comunista), que não visam fins concretamente definidos mas que permitem a manutenção da ordem social espontânea. São esferas protegidas de direitos, regras que defendem a liberdade individual e permitem o funcionamento da economia de mercado. Não resultam da actividade de um legislador mas também não se encontram fixadas na natureza: são consequência de fenómenos resultantes da acção humana, sendo por isso um direito natural, na medida em que advêm de uma evolução não intencional ao longo de centenas de anos que seleccionou as regras de conduta mais eficientes e adequadas para aquela sociedade.

20 julho 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Pensamento político contemporâneo' - J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte I)


KARL POPPER: a sociedade aberta e os seus inimigos

     Popper ficou conhecido pelo seu combate intelectual para criticar e derrotar simultaneamente o dogmatismo e o relativismo.

     Faz a distinção fundamental entre sociedade aberta e sociedade fechada na aceitação ou não da liberdade de crítica, admitindo que esta é indispensável para o progresso do conhecimento. As democracias liberais modernas são herdeiras de um longo processo de abertura gradual das sociedades fechadas, tribais e colectivistas do passado, conflito que opôs estas democracias aos totalitarismos nazi e comunista.

     Como intransigente defensor das democracias liberais, é, contudo, um crítico contundente das teorias usualmente associadas à democracia, em particular a que entende a democracia como o regime fundado no governo do povo ou da maioria – soberania popular.

     Se o melhor regime for definido como aquele que um - talvez o mais sábio, o mais forte, ou o melhor - deve governar, então esse um pode, segundo a definição do melhor regime, entregar o poder a alguns ou a todos, dado que é a ele que cabe decidir ou governar. Chega-se então a um paradoxo: uma decisão conforme à definição de melhor regime conduz à destruição desse mesmo regime. Este paradoxo ocorrerá qualquer que seja a resposta à pergunta «quem deve governar?» (um, alguns, ou todos reunidos em colectivo) e decorre da própria natureza da pergunta - que remete para uma resposta sobre pessoas e não sobre regras que permitam preservar melhor o regime.

     A teoria da democracia de Popper decorre da resposta à pergunta: não sobre quem deve governar, mas como evitar a tirania, como garantir a mudança de governo sem violência. O governo democrático surge como um conjunto de regras que assegura esta condição, através da separação de poderes, freios e contrapesos, garantias legais – o governo constitucional. Dentro dos limites constitucionais que pretendem assegurar estas garantias, as funções e políticas específicas de cada governo devem estar sujeitas à controvérsia racional e ao ensaio em erro, mas apenas numa intervenção de tipo parcelar e não de tipo global ou utópica.

     Popper destaca-se também na sua posição contra o historicismo: afirma ser impossível prever o futuro e demonstra que as profecias historicistas não são em regra susceptíveis a teste. A “previsão” marxista sobre o inevitável advento do socialismo trata-se, portanto, de uma superstição. O socialismo nunca ocorreu nos países em que a teoria previa que devia ocorrer – os países de capitalismo maduro – mas naqueles em que não devia ter ocorrido – os países pré-capitalistas ou de capitalismo incipiente. Mais ainda, os países em regime socialista deram lugar, após a década de 80, ao capitalismo democrático, o que estava supostamente excluído pela teoria. O impulso moral humanitário do socialismo original foi corrompido pelo historicismo alegadamente científico, que, ao proclamar que todos os princípios e valores morais são relativos ao contexto e época históricos, esvaziou a moral de todo e qualquer conteúdo autónomo, subordinando-a por inteiro à doutrina do sucesso histórico. A consequência do marxismo não se fez esperar, substituindo o marxismo teórico pelo marxismo das ditaduras mais sanguinárias.

     Outra atitude que esvazia a moral de conteúdo autónomo é o colectivismo, que atribui ao colectivo uma “essência” independente dos indivíduos que o compõem. Porque o colectivo se trata realmente de um conjunto de indivíduos, alguém vai ter que falar em nome do colectivo, o que abre as portas à tirania, ao líder que fala em nome da multidão e que em nome dela esmaga toda e qualquer oposição individual. No plano moral, rouba a responsabilidade moral ao indivíduo. Daí, Popper relembra o crucial contributo do Cristianismo para a emergência do individualismo altruísta, recordando que Cristo disse «ama o teu semelhante» e não «ama a tua tribo».

     Um outro inimigo da sociedade aberta é o naturalismo ético, que consiste em tentar reduzir normas a factos, como solução para superar a arbitrariedade das normas morais. Criticando esta postura, Popper afirma que «a principal doença do nosso tempo é um relativismo intelectual e moral», caracterizado pela negação da existência de verdade objectiva e/ou pela afirmação da arbitrariedade da escolha entre duas teorias. Ou seja, o único padrão moral seguro é o de que não existem padrões. É precisamente o que Popper critica sobre o positivismo ético: um enunciado é verdadeiro se e apenas se corresponde aos factos, e só este entendimento de verdade permite dar sentido ao conceito de erro. Sustenta que podemos aprender com os nossos erros e também podemos procurar padrões moralmente mais exigentes, o que é uma característica fundamental do liberalismo – a procura de padrões sempre melhores, políticos e legislativos.

     Para terminar, Popper defende que, hoje em dia, por abertura intelectual, a cultura de massas entende hoje um relativismo dogmático dogmático assente na certeza inabalável de que todos os pontos de vista são arbitrários. A sociedade aberta torna-se, então, numa sociedade à deriva, sem padrões morais substantivos, cuja única convicção moral é a negação de padrões e a perseguição intelectual a quem os tem.

Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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César das Neves: crise político-económica e agências de rating

Todos falam agora de uma solução europeia para a crise. O que é uma solução europeia?
A crise é europeia e uma solução europeia é indispensável. Mas penso que as razões pelas quais se está a falar numa solução europeia são más. O que se passa é que a Europa criou um projecto comum e deveria ter criado os mecanismos correspondentes para que esse projecto comum fosse obedecido por todos. Nem todos o fizeram e a Europa deixou que esses casos mal comportados se mantivessem durante muito tempo. Nós estamos a destruir uma solução europeia e agora estamos a querer que os outros, por solidariedade com o nosso mau comportamento, entrem em acção. É evidente que eles têm de o fazer, porque há aqui uma questão de solidariedade. Mas só depois de eliminarmos os disparates que fizemos, e que põem em risco toda a Europa, teremos cara para pedir uma solução europeia. Há aqui uma dicotomia que não só é falsa como um bocadinho vergonhosa, a de dizer que a culpa da crise é da senhora Merkel.

Mas a concepção e as regras do euro não incentivaram esse tipo de mau comportamento?

O euro foi bem concebido. O erro esteve em 2004, quando se decidiu que o Pacto de Estabilidade era estúpido, uma expressão do Romano Prodi [então comissário europeu dos Assuntos Económicos]. Era uma regra que tínhamos de cumprir. Inicialmente havia uma coisa que impedia estes disparates, uma limitação – certamente exagerada, dos 3% do PIB para o défice e dos 60% do PIB para a dívida –, mas que de repente se transformou não numa regra financeira mas numa regra política. E aí foi aberta a porta para o disparate. Somos herdeiros não da má concepção de 1999, mas da correcção do pacto por culpa da Alemanha e da França, que o violaram. Excepto em 2007, desde 2001 que violamos ininterruptamente o Pacto de Estabilidade. O euro estava mal concebido? Não. Os países que estão em sarilhos são aqueles que violaram o pacto. 

Mas não houve um problema de incentivo errado dado pela política monetária comum e pela queda abrupta dos juros?
Mas ter juros baixos não é uma coisa má, é uma coisa óptima. O que é mau é não saber viver sem eles. Tivemos um bar aberto e apanhámos um pifo. O mau está no bar aberto? Não, o mal está no pifo. Tivemos um choque de rendimentos positivo que deveria ter sido imediatamente usado pelo governo para, por exemplo, pagar a dívida e equilibrar a economia. Aconteceu exactamente o contrário. Endividou-se ainda mais, disse que estava tudo fixe, ajudou a alimentar os lóbis. Com todas estas coisas instalou--se um clima que tem 15 anos, desde o caminho para o euro, em meados da década de 90. São 15 anos disto com os últimos dez anos de sucessivas promessas de que vamos resolver o problema. Esta é a quarta austeridade que nós temos. Austeridade final, porque vai resolver o problema.

Vai resolver? Agora é vai ou racha?
Exactamente. Agora não há dinheiro, acabou. Nas três anteriores – do Guterres, do Durão Barroso e do Sócrates – todos eles começaram muito bem, mas depois… É muito engraçado fazer agora o paralelismo entre este governo do Passos Coelho, que tem duas semanas, e as duas primeiras semanas do Sócrates [em 2005]: são praticamente iguais. Prometeram que iam reformar tudo. A única coisa que fizeram até agora foi subir impostos. Há uma coisa boa que os separa: é que agora não há dinheiro. Ponto. Agora vai ter mesmo de se cortar. A única questão é onde. Ou seja, se os tais lóbis que dominaram a política portuguesa nos últimos 15 anos vão continuar a ter força e não pagam ou se se vão poupar aqueles que deviam ser poupados.

O maior obstáculo ao cumprimento do programa não é a tensão na rua, mas é a resistência mais sub-reptícia dos grupos de interesses na sociedade portuguesa?
Sim, acho que esse é o problema fundamental. Penso que em Portugal não vamos ter grandes problemas de contestação. Talvez me engane, mas espero que não.

Já foram anunciadas muitas medidas (cortes salariais, subidas do IVA e do IRS, impostos extraordinários, etc.) e ainda não houve nada de sério na rua… 
Exactamente, não está a acontecer aqui o que se passa na Grécia, nem sequer em Espanha, onde o nível de tensão social é muito grande.

Porque acha que isso acontece?
Porque percebemos que isto é um drama que temos de resolver. Não adianta protestar porque isso não vai resolver nada. Somos realistas e pacatos também. E temos isto há muito tempo. Não é como em Espanha, que há pouco tempo – há dois anos – estava no auge do sucesso. Nós há dez anos que dizemos que estamos em crise. O problema decisivo é outro. Claramente, os últimos governos estavam no bolso de grupos – sobretudo o último, o que ficou evidente neste estertor final. Não é tanto uma questão de corrupção. Se eles enfrentassem os lóbis não eram políticos, eram postos na rua naquele dia.

De que lóbis fala?
São professores, médicos, construção civil, banca, funcionários públicos, uma data de câmaras. Existe um certo número de pessoas que capturaram os ministérios. Têm poder para isso, poder para impor o TGV. Há um episódio que para mim foi um momento de iluminação: em Maio de 2010 há um Conselho Europeu em que a Merkel claramente puxa as orelhas ao Sócrates. O Sócrates voltou e na segunda-feira seguinte são anunciadas duas medidas. A primeira reduz o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção. A segunda mantém o TGV. Este governo estava completamente capturado, nem podia piar.

E este novo governo, não está?
Um governo novo é sempre um governo novo, e só esse facto já rejuvenesce um pouco as coisas. Por outra razão, acho que as pessoas – lóbis incluídos – estão mesmo assustadas, convencidas de que é preciso cortar. Ter o FMI a rosnar ajuda muito.

Mas cortar vai chegar? Na parte do crescimento, as medidas a tomar no âmbito do memorando não demoram a ter efeito? Se nos últimos dez anos de euro tivemos este registo deprimente, o que nos garante que vai ser diferente nos próximos anos?
A economia reage muito depressa, só que agora está estrangulada por uma enorme quantidade de coisas. A economia tem uma capacidade grande de reestruturação e não é preciso demorar cinco anos. Dito isto, tem razão: é a parte mais difícil e demorada. Há coisas evidentes que estão no memorando e que teriam um impacto até relativamente significativo. É preciso saber se têm coragem.

Por exemplo...
Temos neste momento em cima da mesa uma coisa que o governo disse que fazia e que está a dizer que não vai fazer: reduzir o número de câmaras. É uma das mais dramáticas, mas é o tipo de coisa que é preciso fazer. Estou com esperança que tenha uma bomba ou duas preparadas para sair – mas têm de sair nos próximos dias. O Passos Coelho tem de tirar da cartola três ou quatro coisas bombásticas. Até agora a única que ele tirou é errada. Talvez necessária, mas errada: subir impostos, o que Sócrates fez em 2005. Não resolve literalmente nada, porque quando aumentamos os impostos a despesa aumenta.

Acredita que em seis meses o governo é capaz de cortar mais mil milhões de euros na despesa que o previsto?
É possível. Estamos a falar de uma montanha de dinheiro. A despesa pública é metade do PIB, dezenas de milhares de milhões de euros. É fácil cortar, difícil é cortar com atenção. Há muito tempo que o governo anda a tentar cortar, mas corta onde pode e não onde deve. Precisamente por causa dos lóbis. Um exemplo espantoso, infelizmente com maus resultados, foi o que aconteceu com a eficiência da máquina fiscal com o Paulo Macedo no tempo do Durão Barroso. O resultado disto foi mau: mais aumentos de impostos. A máquina está distorcida por uma enorme quantidade de erros e quando ela agora passa a funcionar bem é uma grande distorção.

Mas não é positivo e justo que se combata a fraude e a evasão fiscal?
Não é se os impostos estiverem mal concebidos. Grande parte da fraude fiscal é uma coisa perfeitamente legítima, que a sociedade faz perante um imposto que é completamente predatório. Esse é que é o ponto.

Mas de que impostos fala?         
Aqueles impostos que destroem as empresas, no final fica tudo pior: não há empresa e não há imposto, porque a empresa desapareceu.

O IRC, as taxas, o IVA…
Quando nós temos um imposto que não está concebido para que a economia cresça e dê ao Estado aquilo que ele precisa, mas para que se tire todo o dinheirinho que se pode porque já gastámos o que tínhamos… E quando precisamos de mais e tiramos onde é possível tributar e não onde se deve tributar, estamos a destruir o aparelho produtivo. E no final nem há nem aparelho produtivo nem impostos. E depois vamos ter de tirar mais a outros. É aqui que a máquina está distorcida: e foi esta máquina que agora pusemos a funcionar bem. Basta comparar o peso dos impostos indirectos em Portugal: é o maior da União Europeia. E o peso dos impostos directos em Portugal é em média o mais baixo da União Europeia.

O Memorando é uma oportunidade perdida para remodelar os impostos ou não havia margem agora?
A única hipótese de remodelar o sistema fiscal é começar por reduzir o peso da despesa. Enquanto não reduzirmos a despesa é literalmente impossível. Neste momento não é possível remodelar a máquina fiscal.

Provavelmente, com o aumento de impostos que está no Memorando, vai haver mais fuga e evasão…
Poderá haver. O único sítio onde estão a ir é ao IVA e aos trabalhadores por conta de outrem, que são os únicos sítios onde eles podem ir.

De volta à resposta europeia à crise, tem de haver uma resposta europeia. Qual?
A resposta europeia que até agora tem sido pensada, que é muito pesada sobre a solidariedade, é pedir aos alemães que dêem dinheiro aos gregos, aos portugueses, aos irlandeses…

É emprestar, não é dar.
Mas como ninguém empresta eles estão a dar. [O conceito de] emprestar só é uma coisa legítima quando toda a gente lhe empresta. Quando eu estou a emprestar a uma pessoa a quem ninguém empresta, na prática estou a fazer-lhe uma oferta.

Mas está a cobrar-lhe um juro de 5,5%...
Está bem, mas ninguém emprestava. Nem com 5,5%, ninguém lhe emprestava. Para ir ao mercado cobravam-lhe dez ou vinte pontos – eu estou a dar-lhe uma oferta de cinco pontos. Mesmo que seja um empréstimo, estou a dar-lhe de mão beijada o desconto do juro. Mas esta solução não está a funcionar. É por isso mesmo que as pessoas nestes países marginais estão a falar da solução europeia. Querem que emprestem mais para pôr a casa em ordem. Só que não é possível pôr a casa em ordem. Portanto a solução europeia é uma solução que é muito mais agradável para os alemães, mas que parece a única coisa possível, que é a reestruturação da dívida.

É para aí que a Europa está a caminhar…
No caso da Grécia parece-me que é evidente que não há solução. A Grécia pediu dinheiro a mais. Isto é um erro que o país cometeu, mas também dos estúpidos dos credores que lhe emprestaram uma coisa que ele nunca vai pagar. Se continuarmos a insistir que a Grécia pague tudo o que pediu isto estrangula o país, que não produz nada, e também não paga nada. É uma perda para todos. A solução é substituir esta dívida por outra mais baixa – a dívida é inferior, o credor perde uma pipa de massa porque emprestou 100 e só recebe 50, mas essa dívida já é sustentável e vai ser paga. É para aí que a Grécia está a ir: a questão é saber se isto é feito de uma forma ordenada, arbitrada por uma terceira entidade, neste caso a Comissão Europeia, que o faça de maneira que haja acordo [entre Grécia e credores], ou se isto é feito em zanga e rebenta com tudo. Perdem os credores, que não recebem, e perde a Grécia, que perde acesso aos mercados. Temos na história centenas de falências de países que correram bem e mal. A maior parte correu mal.

Dê-nos exemplos.
Já aconteceram histórias em que os países foram vendidos a patacas. A Terra Nova foi entregue ao Canadá por falência. Era um país independente e tinha o segundo parlamento mais antigo da Commonwealth. Estava endividado à Grã-Bretanha, que suspendeu a democracia e arbitrou uma venda ao Canadá. A Terra Nova neste momento é parte do Canadá porque faliu nos anos 30. Temos outros casos, como a diplomacia da canhoeira no Egipto. O Egipto endividou-se à Grã-Bretanha, que levou para lá os canhões, cobrou os impostos e veio embora quando aquilo estava pago. Hoje já não é possível uma coisa dessas.

Isso é o que a Europa está a fazer na Grécia, mas sem armas. Já enviaram técnicos para cobrar os impostos aos gregos…
Acaba por ser. Esse é o ponto. As soluções são muitas. Um caso bem sucedido foi o dos planos Brady. Nos anos 80 os países do terceiro mundo estavam completamente endividados e os EUA arbitraram uma substituição de dívida entre os bancos, a maior parte deles americanos e europeus. As dívidas foram substituídas por uns títulos com a garantia do Tesouro norte-americano, inferiores à divida. Mas depois eles pagaram, tirando o Equador, tanto quanto sei. Os países já não tinham tanta dívida e voltaram ao crescimento.

Em Portugal pode haver a hipótese de restruturar?
Acho que Portugal tem hipóteses disso.

É surpreendente ouvi-lo falar de reestruturação. Há um ano admitira isso?
Há dois anos disse que o FMI devia ser chamado, ainda ninguém sonhava isso. Estou convencido, embora sem prova, que ainda podíamos ter safo a nossa situação sem ter pedido ajuda. Mas tivemos algo que mais ninguém teve que foram dois anos e meio de negação. Dois meses e meio depois da falência do Lehman Brothers, a 14 de Outubro de 2008, a Irlanda apresentou um Orçamento do Estado que baixava os salários dos funcionários públicos, incluindo o do primeiro-ministro. No mesmo dia Portugal apresentou um Orçamento do Estado para 2009 em que fazia a maior subida dos salários dos funcionários públicos desde 1980. O ano de 2009 é um ano em que houve uma queda do produto de 2,5% e uma subida dos salários reais no país de 5%. Comparado com isto só 1975 com Vasco Gonçalves: a economia a cair e os salários a subirem. É de loucos. Portanto em 2009 disse que era preciso pedir ajuda. Agora começo a dizer que provavelmente é preciso reestruturação. Mas ainda não estou mesmo convencido que seja precisa a reestruturação. É preciso dizer que estamos envolvidos em dois jogos: um nosso, outro a Europa. Temos de ganhar os jogos todos para sermos repescados e não dependermos só de nós. Se fizermos isto tudo certinho podemos voltar a ser o bom aluno europeu, a surpresa inesperada. Temos uma nesga. Dito isto, a maior parte do horizonte é uma reestruturação. Não é o fim do mundo, mas cria ondas [negativas] de reputação, e em finanças tudo é reputação e confiança.

É visível que no espaço da direita liberal tem havido uma aproximação a posições e diagnósticos defendidos por economistas da esquerda. Tem sido assim com as agências de rating, sobretudo depois do corte feito pela Moody’s, depois com a ideia de uma solução europeia e com a reestruturação, que era tema tabu. Há incoerência intelectual da direita ou é análise em resposta à realidade?
A direita é aquela que acha que os mercados são óptimos e funcionam bem. E a esquerda é aquela que acha que funcionam mal e que temos de os substituir. De facto, o que acontece é que os mercados são excelentes e têm enormes defeitos. O exemplo que dou sempre é o do avião. O avião voa. E às vezes cai. As carroças não caem. A malta que vê cair os aviões fica horrorizada porque morre imensa gente. Mas não estão a pensar voltar a andar de carroça. Os da esquerda são aqueles que querem voltar a andar de carroça e que quando vêem o avião a cair dizem “eu bem disse que isto é uma coisa horrível que funciona mal”. Os outros ficaram horrorizados porque partiram do princípio de que os aviões nunca caem. Estamos numa situação em que estão a mostrar-se os defeitos que sempre existiram – e que nem sequer são raros. Os keynesianos e os de esquerda andam todos contentes. Só os liberais acéfalos que acharam que o mercado estava sempre a funcionar bem e que quanto mais mercado melhor, que nunca perceberam que é preciso ter um equilíbrio entre o mercado e o Estado, é que estão envergonhadíssimos. E depois fazem esta coisa completamente idiota que é renegarem o que andaram a dizer.

Como no caso das agências de rating?
Estas parvoíces que andam a dizer acerca das agências de rating são monstruosas. É chatear o árbitro. Ninguém disse que a Moody’s não tinha razão. Porquê? Porque a Moody’s não só tem razão, como está a dizer aquilo que os da esquerda andam a dizer: que Portugal não vai conseguir pagar a dívida. Por exemplo, na véspera de a Moody’s ter dito o que disse, o Dr. Silva Lopes disse exactamente o mesmo. No sábado seguinte o “Expresso” louvou o Dr. Silva Lopes e condenou a Moody’s, o que é uma coisa extraordinária. Ninguém diz que a Moody’s está errada. Dizem que a Moody’s não devia ter dito o que disse ou que não devia sequer existir.

E as reacções no sentido de se criar uma agência europeia, também lhe parecem descabidas nesta altura?
Depois querem fazer uma coisa extraordinária que é uma agência europeia. Das duas uma: ou é justa e diz a mesma coisa que Moody’s, obrigadinho não é preciso, ou vai passar a ser muito simpática e ninguém empresta à Europa porque ninguém acredita. Estamos a brincar.

Ficou surpreendido com o facto de o Presidente da República ter entrado nesta onda de indignação?
Tive pena que ele tivesse entrado. O Professor Cavaco Silva é um excelente economista e um grande político. Admiro-o extraordinariamente. E quando vejo coisas destas, e já não é a primeira vez, vejo aí uma questão política que ele tem que fazer. Ele é o Presidente da República. Foi meu professor, acompanho a carreira dele há muito tempo e aconteceu--me várias vezes isto: achar que ele está a dizer uma coisa que eu acho que ele sabe que não pode ser dito assim, mas que se ele dissesse como eu acho que as coisas são teria consequências políticas gravíssimas, porque ele está a representar o país.

Mas o Presidente da República não pode dizer que o corte é justo?
Se ele disser que o corte é justo primeiro cai-lhe tudo em cima e depois vai haver mais cortes porque as outras vão depois cortar.

Mas ele não está a alimentar a ilusão de que a culpa é das agências?
Bem, ele nunca disse que a culpa era das agências de rating. Também é preciso dizer que a avaliação da Moody’s é uma avaliação contestável, como todas as avaliações de risco. Não concordo com o que disse o Dr. Silva Lopes e a Moody’s. Acho que não estamos assim tão mal. Nesse sentido concordo mais com a Fitch e a S&P, que mantiveram o seu rating acima de lixo. Mas o Prof. Cavaco Silva não faltou ao respeito, não entrou por essas coisas. Diria que ele fez o que é politicamente mais razoável: bateu na Moody’s, que tem costas largas e pele dura (está habituada a isso, é para isso que as agências de rating servem), poupando a imagem do país, que é o que neste momento é mais fraco e aquilo que ele tem de defender. Acho que é compreensível. 

Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

'o Tesouro escondido', José Tolentino Mendonça

Vejamos este livro como a pergunta do meio do caminho.
Muitas vezes temos a sensação de que, a meio da vida, somos confrontados com a experiência da complexidade, uma sensação de desorientação e um certo adormecimento interior. Olhamos para o caminho e vemos uma floresta. As evidências parecem-nos menos frequentes e acessíveis. Levamos mais tempo entre um ponto e o outro, quando em outros tempos esta viagem nos parecia tão imediata, transparente e possível.
Falar de tempos é falar das perguntas da nossa vida. Algumas vêm no início, outras no meio, e algumas acompanham o fim. O nosso tesouro, aquela pérola que procuramos incessantemente e quando encontramos vendemos tudo para a possuir, certamente continuará a existir, mas no momento parece estar escondido dos nossos olhos.
José Tolentino Mendonça vem alertar, num tom poético aliciante, a necessidade de um cristianismo sapiencial que mature e ilumine a pergunta que somos, um cristianismo espiritualmente inspirador que nos relance na aprendizagem da arte da procura interior. 
A oração cristã não é uma viagem ao fundo de si mesmo. Não é um movimento introspectivo, uma diagnose de pensamentos e moções. Pelo contrário, é ser e estar diante de Deus, colocar-se por inteiro e continuamente diante da presença Daquele que nos convida a um diálogo sem censuras. É entregar-Lhe todos os pensamentos, tudo o que somos e experimentamos.
Procuremos o silêncio para ouvimos o Seu chamamento, aceitemos o convite para estar com o Pai no nosso ser mais íntimo e despido, e talvez sintamos um coração ardente que nos abra o olhar para a procura desse tesouro escondido: um amor incondicional - despojamento, escolha e aceitar ser entregue.


«Ama o silêncio acima de todas as coisas; ele concede-te um fruto que à língua é impossível descrever... Dentro do nosso silêncio nasce alguma coisa que nos atrai ao silêncio. Que Deus te conceda perceber aquilo que nasce do silêncio.» (Isaac de Nínive)

«Uma árvore é uma semente que cresce devagar e em silêncio» (Bruno Munari)

«A maior parte das vezes, o nosso pecado não é apenas deixarmo-nos aprisionar a males concretos, mas é perdermos uma medida alta, exigente e vigilante, a medida profética e inteira do Reino em nós, e conformarmo-nos a isso, como se não nos fizesse realmente falta.»

«Meia verdade é como habitar meio quarto/ Ganhar meio salário/ Como só ter direito/ A metade da vida.» (Sophia de Mello Breyner Andresen)

«O primeiro momento da reconciliação é a decisão interior que nos leva a retomar, precisamente, a arte da procura e da inteireza. "Para ser grande, sê inteiro", dizia Fernando Pessoa. E o grande desafio da vida espiritual não é, claro, o da grandeza, mas o da inteireza. Sermos nós próprios.»

«A vida reclama de mim, nesta hora, um enérgico sim. Tenho que lutar para ser eu. Se não varrer a minha casa, ela deixa de ser habitável, deixa de ser minha...»

«A redenção, segundo a fé cristã, não é um simples dado de facto. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho.» (Spe Salvi)

«A Fé é uma história de fidelidade que se constrói, não é o mero entusiasmo de um momento.»

«Ter encontrado relança-nos novamente no caminho da procura. Quantas vezes a vida espiritual não é precisamente isso: a busca longa, demorada, paciente e comprometida daquilo ou Daquele que já encontrámos (...) O desejo de um amor incondicional faz-nos perceber que o primeiro encontro é apenas o começo. Nada está concluído, pois tudo se amplia.»

«um amor verdadeiro precisa ser amadurecido no silêncio e na intimidade»

«a maior necessidade que temos para progredir é calar o apetite e a língua diante deste grande Deus, pois a linguagem que ele mais ouve é o amor calado.» (S. João de Ávila)

«a vida espiritual não se trata de uma conquista a defender, mas de um dom a repartir.»

«No meu fim está o meu início.» (T. S. Eliot)

«Não há parques de estacionamento espirituais. Há sim a chamada ininterrupta a experimentar a itinerância de uma Promessa que é maior do que nós.»

«Bem podemos, às vezes, sentir-nos tristes e abatidos por cauda daquilo que nos fazem, isso é humano e compreensível. Porém: o maior roubo que nos é feito somos nós mesmos que o fazemos.» (Etty Hillesum)

«Há tantas pessoas que passam pela nossa vida... É importante que, na hospitalidade, no serviço e no dom, sintam que não foi em vão que passaram por nós.»

«A compaixão não é apiedar-se, oferecer alguma doçura ou algum dinheiro. (...) A compaixão é olhar o outro (e a nós próprios) e ajudá-lo a revelar-se. A compaixão é revelar-lhe que ele tem valor e que Deus habita nele. É ajudá-lo a ir até ao fim daquilo que ele pode viver.» (Jean Vanier)

«Quem exclamou pela primeira vez a primeira oração não a pode ter inventado. Só pode ter reagido a um chamamento com uma resposta.» (Erri de Luca)

«O homen só é capaz de desejar Deus, só é capaz de Deus, porque Deus se inclina benevolamente para ele. (...) Abeiramo-nos de Deus, porque Deus se abeira de nós.»

«Mais do que rogar por esta ou por aquela necessidade ou interceder pela satisfação de qualquer carência, o que se pede ao Pai é que seja pai. (...) Rezamos para saber escolher o Pai a cada momento»

«O Pater está para a oração como Cristo para a humanidade e é impossível pronunciá-la, uma vez que seja e trazendo a cada palavra a plenitude da atenção, sem que uma mudança, talvez infinitesimal mas real, se opere na alma. (...) Há um momento em que, mais do que as palavras, o que conta é o estar ali em relação.» (Simone Weil)

«A Beleza de Cristo captura o nosso coração, fere-nos intimamente, abre-nos à revelação, faz com que deixemos de pertencer a nós mesmos, obriga-nos a relativizar o que éramos, a esquecer muitas vezes a nossa pátria e a casa dos pais, atrai-nos para si.»

«O cristão define-se como alguém que vive "ferido" pela beleza singular de Jesus. E essa "ferida" gera em nós desejo, vontade, atracção, disponibilidade para o seguimento.»

«Fazei coisas belas, mas sobretudo fazei das vossas vidas lugares de beleza.» (Bento XVI)

«A oração não pode ser um compartimento do meu dia, um pequeno nicho que eu encho de pensamentos e fórmulas piedosas. A oração cristã é aquela que se desenvolve seguindo os passos de Jesus e, aí, rezar é viver (...) na presença de Deus.»

«dispomo-nos a amar Deus e a adorá-lo, mas queremos guardar para nós uma parte da nossa vida espiritual. Por isso caímos frequentemente na tentação de escolher muito bem os pensamentos que vamos ter presentes nos nossos colóquios com Deus. Seja por medo ou por insegurança, facilmente damos um carácter demasiado introspectivo à oração e, muitas vezes, escondemos de Deus aquilo, em nós, que está mais necessitado da sua acção transformante e pacificadora.»

«Não é Jesus que desapareceu, é eles que ainda não aprenderam a encontrá-lo e a reconhecê-lo, prisioneiros de um défice de conhecimento que ainda têm, e que os impede de aceitar a condição pascal de Jesus.»

«Quando se faz uma peregrinação, muitas vezes nos interrogamos onde é que ela termina, porque uma das coisas que se experimenta é que, à medida que caminhamos, a realidade torna-se sempre mais aberta. Quando o peregrino chega a perceber no seu coração, então é que começa verdadeiramente. A peregrinação não tem propriamente um fim: tem uma extraordinária finalidade. A de Paulo é Cristo. E a nossa também.»

«No Magnificat, Maria canta a sua própria história. E isso desafia-nos a fazer o mesmo. Ninguém vive uma vida espiritual fecunda enquanto não for capaz de assumir aquilo que é na sua originalidade, se não for capaz de construir a relação com Deus como um diálogo vivo entre um "eu" e um "tu". A oração de Maria não é feita de fórmulas. Ela expõe a sua vida naquilo que diz.»

«Deus não realiza todos os nossos desejos, mas é fiel e cumpre todas as suas promessas.»

«Deus criou o Ser Humano para te poder criar a ti. Deus abençoou a criação inteira para que tu, em cada nascer do Sol e em cada poente, te sentisses abençoado. Deus escutou os lamentos e as lágrimas do seu povo no Egipto, para poder escutar hoje a tua aflição e o teu grito. Deus inspirou os profetas para que hoje não te faltassem as palavras de consolação e de esperança de que precisas. Deus fez nascer Homem o seu Filho, para que hoje tu pudesses nascer mais perto de Deus.»

16 julho 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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'O Adeus às Armas', Ernest Hemingway

'O Adeus às Armas' sobe incontestavelmente ao pódio dos melhores romances mundiais e contemporâneos, sendo muito provavelmente o melhor romance de Ernest Hemingway.


E assim, a imaginação transporta-nos para o cenário da Primeira Grande Guerra, através de uma incansável e pormenorizada narração, ainda que em nada supérflua, no estilo peculiar de Hemingway, sintético e directo. O autor expõe-nos um registo despojado entre a literatura, a crónica de viagem e o jornalismo de guerra, juntando a poesia dos grandes sentimentos ao realismo do quotidiano prosaico: uma história de amor, doce e inesquecível, de braço dado com uma história de guerra, cruel e diferente.
Frederic Henry e Catherine Barkley são os aventureiros deste romance, que a morte e a violência sempre espreitam. Frederic, um tenente norte-americano que serve no exército italiano, e Cat, enfermeira inglesa que se torna amante de Frederic, demonstram-nos um amor exemplar até na dificuldade, um romance de uma intensidade fora do normal, esboçando os grandes problemas do século em que viviam e em torno do qual se aprofundam as angústias de um tempo incerto e de luta.
Um livro que jamais se esquece. Uma viagem a um tempo de guerra e de amor, de esperança e desespero. Com um final que nunca mais acaba em nós. Um portentoso retrato da vida e da morte. E uma história de amor em tempo de guerra que, podendo sê-lo, é tudo menos banal. Em suma, um livro de sempre.

Quanto a frases e pensamentos que me marcaram, neste livro pretendo realçar apenas este momento:

«Muitas vezes o homem deseja estar só, e a mulher deseja também estar só, e se se amam têm reciprocamente ciúmes desse desejo, mas posso dizer confiadamente que nunca sentimos tal coisa. Podíamos sentir-nos sós quando estávamos sós – sozinhos contra os outros. (...) Nós nunca nos sentíamos sós, e nunca tínhamos medo quando estávamos juntos. (...) Quando as pessoas defrontam o mundo com tanta coragem, o mundo só pode quebrá-las matando-as, e por isso, é claro, mata-as. O mundo quebra toda a gente, e depois muitos ficam mais fortes no lugar da fractura. Mas àqueles que não consegue quebrar mata-os.»
12 julho 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Ser católico na política

Ser católica na política
Soa-me sempre um pouco estranho quando me perguntam como é ser católico na política. Fico a pensar em que particularidade haverá quando comparado com ser católico no trabalho em geral ou em casa ou com os amigos ou com as pessoas com quem casualmente nos cruzamos na vida. É diferente?
“Ser católico” contém a resposta em si mesmo: é-se católico, não se está católico num momento ou numa condição, é-se ou procura-se ser em todos os momentos e em todas as circunstâncias. E por isso só sei responder o que é para mim ser católica ou, dito de outro modo, como me sinto católica. E aqui, na política, como na Faculdade ou na advocacia ou em qualquer lado, para mim ser católica é procurar sempre pôr a render ao serviço dos outros os talentos que Deus me deu e através desse serviço, desse acolhimento, dessa atenção e preocupação, sentir o Seu perfume e viver o Seu amor. 
Não me sinto especificamente “católica na política”, procuro ser católica, da mesma maneira, em todo o lado, mas sei que estou na política porque sou católica.
 
Assunção Cristas
In Observatório da Cultura, n.º 14 (Novembro 2010)
06 julho 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Em mãos

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