Archive for 2011

Mensagem de Natal

Is 9, 2-7
«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam na vossa presença, como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. Vós quebrastes, como no dia de Madiã, o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor. Todo o calçado ruidoso da guerra e toda a veste manchada de sangue serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas. Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz». O seu poder será engrandecido numa paz sem fim, sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça, agora e para sempre. Assim o fará o Senhor do Universo.»


Os tempos que vivemos não são de todo promissores. A crise parece enegrecer a cada dia que passa, toca-nos cada vez mais e expõe as nossas fragilidades, medos, dúvidas. Contudo, é verdade que não podemos contar com rezas para solucionar a vida toda dum dia para o outro. Jesus não resolve problemas de preguiçosos: o que Ele faz é precisamente tirar-nos o medo.

Votos sinceros de um santo e feliz Natal, na companhia dos que vos são queridos, e de que seja vivido sobretudo na alegria e na esperança. Deus veio ao mundo por nós, para nos ensinar a amar e assim nos salvar, e nunca se cansa de nós. Cabe a nós dar-Lhe algum espaço na nossa vida para conseguirmos ver essa alegria e essa esperança, que nunca se extinguem.



Que este Natal seja um tempo de nos desprendermos das palavras de circunstâncias e dos presentes, e que seja um tempo de nos darmos às pessoas, de estar presentes junto dos que nos rodeiam e precisam de nós.


Um forte abraço

23 dezembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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A lição


«Só o amor salva! Amar e salvar não são duas coisas diferentes, são uma só. A única lição que os homens precisam de aprender é amar. A sua única missão é essa: amar. Quando souberem amar estarão salvos! Aos poucos temos ensinado cada homem a amar, falamos a cada um no seu coração e na sua consciência, inspiramos profetas para falarem em Nosso nome, entramos na sua história. Enfim, indirectamente temo-los preparado para o amor. Agora chegou o tempo de eles viverem com o amor em pessoa. Porquê mais rodeios se podemos ir lá directamente? Pensa bem, quando eles virem o amor em pessoa e o abraçarem estarão salvos! Claro que não podíamos fazer isto logo no princípio, pois não estariam preparados para o aceitar. Agora é o momento certo. Quando eles puderem conhecer o Filho, estar com Ele, ouvi-Lo falar, vê-Lo amar, saberão amar e estarão salvos. Não se trata de uma emenda, trata-se de um objectivo. Foi pensando neste objectivo que começámos a criar.»

14 dezembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Receio



A cada dia que vivo,

mais me convenço de que

o desperdício da vida

está no amor que não damos,

nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca,

e que, esquivando-nos do sofrimento,

perdemos também a felicidade




Carlos Drummond de Andrade

Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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'Retrato do Artista Quando Jovem', James Joyce

Um livro brilhante!
Mais do que uma obra com algum cariz autobiográfico, este livro relata a trajectória de um homem em busca do conhecimento interno de si mesmo. Joyce narra o processo de amadurecimento de Stephen Dedalus, o jovem protagonista deste romance, desde os tempos em que frequentava o colégio de Jesuítas até à idade adulta. Um jovem inteligente e brilhante, que os Jesuítas tentam conduzir para os seus quadros. E o amadurecimento começa aqui, em conflitos pessoais, sobretudo religiosos, mas abrindo o leque de discussões à política, família, homossexualidade, sociedade, estética...
A difícil passagem da adolescência à maturidade, a procura do sentido da vida e da arte, a emergência do indivíduo frente à sociedade, o carácter aleatório e quase sempre desconcertante da vida são as grandes discussões que acompanham o fio condutor desta obra de uma ponta à outra.


«Se um laico, no decurso de um baptismo, asperge a criança antes de pronunciar as palavras rituais, estará a criança baptizada? Será válido o baptismo com água mineral? Como pode acontecer que, a primeira bem-aventurança prometendo o reino dos céus aos pobres de espírito, a segunda promete aos humildes que também possuirão a terra? Porque foi o sacramento da Eucaristia instituído sob as duas espécies de pão e vinho, se Jesus Cristo estava presente em corpo e em sangue, em alma e em divindade, apenas no pão ou apenas no sangue? Uma parcela mínima de pão consagrado conterá todo o corpo e sangue de Jesus Cristo, ou apenas uma parte do corpo e do sangue? Se o vinho se transforma em vinagre e a hóstia se corrompe e decompõe, estará Jesus Cristo sempre presente nas suas espécies como Deus e como homem?»

«Encostou a cara ao vidro da janela e ficou a olhar para fora, para a rua cada vez mais escura. Formas passavam nesta e naquela direcção por entre a luz opaca. E isso era a vida.»

«A garganta ardia-lhe com vontade de gritar alto, de atirar o grito do falcão ou da águia, planando, anunciar com um grito arrebatador a sua libertação nos ventos do largo. Era esse o apelo que a vida dirigia à sua alma e não a monótona e grosseira voz do mundo dos deveres e das desesperanças, não a voz inumana que o convidara outrora para o serviço incolor do altar. Um único instante de selvagem voo bastara para o libertar e o grito de triunfo que os seus lábios tinham retido retumbou no seu cérebro fazendo-o estalar.»

«O objectivo do artista é a criação do belo; quanto a saber o que é belo, é outra questão.»

«Três coisas são necessárias à beleza: inteireza, harmonia, claridade.»

«Talvez a sua vida não fosse mais do que um rosário de horas, uma existência simples e estranha como a de um pássaro, alegre de manhã, activa ao longo do dia, cansada ao pôr do Sol? Um coração simples e voluntarioso como o coração de um pássaro?

02 dezembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Maçonaria: a sombra do Governo

- Há informações que as pessoas deviam ter, mas que, pela sua própria natureza, são difíceis de transmitir. É o caso das seitas secretas, em particular, da Maçonaria. 
Justamente porque são secretas, não são noticiadas na comunicação social, ou melhor, quando os jornais delas falam, raramente conseguem identificar os seus membros, porque é impossível apresentar provas inequívocas. 
Somos jornalistas que temos informação relevante sobre essa matéria, mas que, por razões óbvias, não a podemos divulgar pelos meios tradicionais e no exercício normal da nossa profissão. 
Apesar de todos os perigos a ela inerentes, a internet permite hoje dar algumas informações às pessoas que a comunicação social clássica não consegue. 
Enquanto jornalistas, o mais que podemos fazer pelos "leitores", é informá-los por esta via e não desperdiçar o fruto do nosso trabalho e do nosso conhecimento.


- No início do século passado, a Maçonaria teve um papel relevante em termos ideológicos. Hoje, em Portugal não passa de uma seita secreta que apenas existe para conseguir promover e defender quem a ela pertence.
É gente que, a coberto desse secretismo, giza estratégias de acesso ao poder e de defesa e proteção dos seus membros, agredindo, sem pudor, o interesse público.


3 - Desde que Passos Coelho subiu à liderança do PSD, a maçonaria começou a tomar conta do partido.  Sabemos hoje, que os principais elementos que o rodeiam pertencem a essa seita.
O principal é o secretário-geral Miguel Relvas, cabeça de lista por Santarém. É ele, destacadamente, o principal obreiro da estratégia maçónica de assalto a este partido político.
A súbita presença de Fernando Nobre no PSD tem justamente a ver com o facto de ele também ser da seita e com a solidariedade maçónica que deve prevalecer sobre tudo o mais.
Carlos Abreu Amorim, que já foi da extrema-direita, do CDS, do PND (Manuel Monteiro) e agora do PSD, em boa verdade nunca foi de nenhum deles, é um peso pesado da maçonaria. Por isso, entrou inesperadamente (?) na lista de Viana.
Feliciano Barreiras Duarte, chefe de gabinete de Passos Coelho, e agora Secretário de Estado, é igualmente da seita e, por isso, é também deputado, voltando à Assembleia da República onde, há anos, já não estava.
Marco António Costa, Vice-presidente do PSD nacional e Presidente da distrital do Porto, é outro dos mais ativos maçons. No Porto pode-se ainda contar com Paulo Morais e com Ricardo Almeida, entretanto estrategicamente colocado na Câmara de Gaia.
O leitor já se questionou por que é que, por exemplo, Carlos Abreu Amorim, Gomes Fernandes (PS) e Paulo Morais, têm tanta penetração no JN? - Porque o pivô maçónico dentro desse jornal faz o seu trabalho - e que, admitimos, possa ser o próprio diretor José Leite Pereira.
Carlos Carreiras, Presidente da distrital de Lisboa e da Câmara de Cascais, é outro dos pivôs da seita no partido laranja.
Jorge Moreira da Silva, também Vice-presidente do PSD nacional e assessor de Cavaco Silva, e outros deputados como, por exemplo, Emídio Guerreiro ou António Rodrigues também reforçam a equipa.
Pedro Marques Lopes que, no Eixo do Mal (SIC Noticias) dá a cara pelo PSD de Passos Coelho (em tempos tantas vezes esteve contra Manuela Ferreira leite), é outro dos elementos com uma função a cumprir na estratégia de assalto da maçonaria ao PSD.


- A nossa investigação ainda não consegue saber com toda a certeza o trajeto de cada um dos novos elementos "independentes", que ninguém conhece e que este "novo" Partido Social Democrata está a apresentar, mas, para nós, é seguro que muitos deles vão para o Parlamento (e /ou para o Governo) no âmbito do assalto maçónico.


5 - É este o estado em que Portugal se encontra. O partido do Governo está dominado, não pelos seus ingénuos militantes, mas por esta gente que se prepara para se servir do poder em benefício duma seita que o cidadão comum desconhece em absoluto.


6 - Esta denúncia por e-mail é o máximo que está ao nosso alcance fazer no sentido de dar a conhecer aos cidadãos o que sabemos mas não podemos noticiar da forma clássica.
27 novembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Quando a Política se mete na Justiça...

O Sol é um jornal que não pára...


Como duvidar da influência de Sócrates no negócio PT/TVI? O próprio juiz do Supremo Tribunal diz que as escutas em questão lhe dão vontade de rir!
Pelo menos uma coisa fica provada: o abuso de poderes atribuídos a Pinto Monteiro enquanto Procurador-Geral da República. E a ministra Paula Teixeira da Cruz bem tem avisado quanto a esse facto.
21 novembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Ray Charles - What I'd Say

07 novembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Tendências


     Façamos arte pela arte, noutro sentido que o velho, não esperando que nos vejam, sabendo, até, que não nos verão. Pensemos, sonhemos. Assim poderemos trabalhar calmos e cuidadosos, pois o que criarmos se não destina a hoje ou a amanhã, mas tem o instinto da perfeição do que não é destinado a ninguém, na divina calma de não ter um fim. Talvez outras gerações o conheçam, e talvez não o conheçam nem nos conheçam também, e, de qualquer modo, não importa. 
     Porque é bela a arte? Todos os caminhos são para ir de um ponto para o outro. Quem nos dera o caminho feito de um lugar donde ninguém parte para um lugar para onde ninguém vai!

25 outubro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Simple things

Sugestões de verbas da despesa pública perfeitamente passíveis de serem cortadas do Orçamento de Estado:



Acabar com o "aborto gratuito" no Serviço Nacional de Saúde: no referendo, o povo português só aprovou a despenalização do aborto, não a promoção do aborto através de subsídios políticos;

Acabar com a atribuição do "subsídio de maternidade" e a licença de 30 dias para as mulheres que abortam uma ou até várias vezes por ano;

Acabar com o subsídio de viagem e alojamento dado a mulheres das regiões autónomas que vêm abortar a Lisboa.



Em vez de se cortarem os subsídios de férias e de Natal, é muito mais lógico e ético impedir que o dinheiro dos portugueses seja usado para matar gerações futuras.


Simples!
24 outubro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

'D. Quixote de la Mancha', Miguel de Cervantes

     A história de Dom Quixote de la Mancha pode bem começar com uma citação sua: «Não tenho medo de nada  nem de ninguém e muito menos de dois leões que não passam de fracos gatinhos». Também apelidado de Cavaleiro da Triste Figura, por ter perdido grande parte dos seus dentes numa peculiar aventura e pelo seu ar escanzelado e esguio, o nosso herói é nada mais nada menos que um valente louco com virtudes inúmeras.
     O pacato Alonso Quixano, de tantos livros da Cavalaria Andante ter lido, um belo dia quase exigiu que fosse ordenado cavaleiro andante e transformou-se no ilustre D. Quixote de la Mancha. Em virtude do título ganho, rumou cavalgando a terras espanholas, no seu cavalo Rocinante, em busca de ressuscitar a perdida Ordem da Cavalaria Andante e de honrar a sua donzela Dulcineia de Tolboso com as suas fartas façanhas e conquistas, sempre acompanhado do seu fiel escudeiro Sancho Pança.
     Herói de comportamento irretorquível, de amores infinitos, de coragem inabalável, com pureza de consciência, católico inabalável, de uma enorme fidalguia e, não obstante todas estas qualidades, com a sua veia de loucura. Exemplos dessa loucura são a aventura dos moinhos de vento que foram tomados como gigantes perversos, do enorme rebanho de ovelhas considerado como um imenso exército inimigo e da bacia do barbeiro que foi vista como o fabuloso elmo de Mambrino.
     A obra de Miguel de Cervantes foi talvez o primeiro verdadeiro romance da literatura universal. E que este prémio, por assim dizer, não seja algo que assuste os leitores... muito pelo contrário! Apesar da linguagem arcaica, é um livro relativamente acessível e repleto de ensinamentos e moral, para não falar do entretenimento constante que proporciona ao leitor. Pelas inúmeras aventuras do insigne D. Quixote de la Mancha, lê-lo é honrar o seu espírito puro e excêntrico, eterno protesto da louca razão!

06 outubro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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"A asfixia das rendas"


O núcleo profundo da crise situa-se na distinção entre dois conceitos básicos: produção e renda. Portugal era um país de produção e tem-se vindo a transformar num país de rendas.

Embora elementares, é bom precisar as noções. Produção constitui, evidentemente, um conceito central da economia, o uso de recursos para satisfazer necessidades humanas. Originalmente relacionado com a obtenção de bens físicos, cultivando a terra ou operando manufacturas, a complexa sociedade actual acrescentou-lhe o vasto elenco dos serviços, dos transportes ao turismo, arte, finança, comércio, divertimento, etc. Em todos os casos está em causa fazer algo, ter utilidade, criar valor.

A renda, em contraste, é o ganho de quem nada gera, um pagamento sem contrapartida válida. Originalmente designava as receitas dos proprietários absentistas, pagando a vida ociosa com o produto dos rendeiros. Hoje, embora "renda económica pura" mantenha definição científica rigorosa, o preço de um recurso de oferta inelástica, a expressão rent-seeking, traduzida por "captura de rendas", aplica-se a múltiplas situações de ganho sem produção.

Durante séculos os portugueses sabiam não existir outra forma honesta de ganhar a vida senão trabalhar e produzir. Nos anos recentes, passado o medo da Europa, a tradicional capacidade lusitana para identificar e aproveitar ganhos incorporou uma vastíssima panóplia de novos métodos legítimos e aceitáveis de lucrar sem produzir. Existem mesmo profissões especializadas em fazer funcionar esses mecanismos. Há até quem se farte de trabalhar para as conseguir. Na indústria das rendas existem trabalhadores, empresas, contratos, negociação, esforço. A única coisa que falta é produção, utilidade, valor.

Algumas são fáceis de identificar. A multidão de subsídios, apoios, benefícios, promoções, excepções e deduções são formas evidentes de rendas, com justificação mais ou menos clara, elaborada ou aceitável. Misturada anda a corrupção, sempre denunciada, facilmente oculta, nunca admitida. Também a indignação pelas portagens advém de, sendo um imposto, elas manterem a ligação a uma forma clássica de renda, quando bandidos medievais ocupavam uma ponte ou estrada obrigando os passantes a pagamento.

O pior está nas múltiplas rendas mascaradas. A sofisticada sociedade actual facilita o disfarce da extorsão atrás da produção. Uma obra pública ou serviço inútil, desnecessário, sumptuário ou só mais caro que o benefício, tem sempre por trás a construtora ou fornecedora capturando uma renda enquanto mantém a imagem empresarial de produtividade. Outra forma descarada de extracção de renda está no proteccionismo dos sectores, das telecomunicações aos bancos, passando por hospitais, escolas, empresas públicas, municipais, beneficiadas, escritórios de advogados, etc. Mantendo a parafernália legal de negociações e contratos, sacrifica-se o interesse público em rendas injustificadas. Todo o preço acima do valor justo, por imposição legal ou monopolista, deve ser considerado uma renda. O excesso de regulamentação e fiscalização é o caso mais subtil. Tomando uma finalidade meritória, da defesa do consumidor à protecção ao ambiente, o exagero de exigências alimenta um exército de técnicos, inspectores, especialistas, revisores, sugando empresas produtivas.

Esta é a origem da crise, com inúmeros esforços desviados de actividades produtivas para a captura de rendas. Não admira a queda do investimento, estagnação da produção, endividamento externo, surto do desemprego.

A tarefa mais urgente e decisiva está no combate aos mecanismos de renda. Mais importante do que descer a despesa pública, é eliminar esses processos que desperdiçam recursos valiosos e asfixiam a economia. Mas uma mudança desta dimensão não se consegue apenas com políticas e decretos. Só se liberta a sociedade desta praga com um repúdio generalizado da comunidade por esses sistemas de extorsão instalada. Os quais, em muitos casos, ainda têm o desplante de se queixarem nos jornais da perda das rendas.


João César das Neves in DN online

12 setembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Eutanásia: Matar a compaixão ou matar com compaixão?

     Anteontem, em conversa ao almoço, conversava sobre a perda do sentido ético e moral da sociedade em que vivemos e o caminho tenebroso que se avizinha no dia de amanhã. Então, punha-se uma questão interessante e, ao mesmo tempo, preocupante: será que as pessoas sabem realmente o que é a eutanásia e tomarem uma posição consciente perante ela? Provavelmente, e atirando um número ao calhas, cerca de 70% da população não sabe distinguir os vários tipos de eutanásia nem pesar devidamente os prós e contras desta prática. E quando vier um referendo? A maior parte das pessoas aprova esta prática, porque é opinião geral criticar ver uma pessoa a sofrer no hospital. Será que tudo se resume a isto? E é graças ao consequente liberalismo político e pluralismo a que somos impostos que as pessoas dispersam e perdem os valores morais realmente essenciais. Basicamente, a maior parte das pessoas não sabe o que quer e vai com a moda. E a moda agora é "Eutanásia, sim".




     A expressão "morrer com dignidade" transformou-se num slogan confuso. Por um lado, é proclamado por pessoas favoráveis ao desligamento de máquinas que mantêm o doente vivo. Por outro lado, é defendido por aqueles que, contra a transformação da pessoa humana num mero objecto, colocam-se contra o prolongamento abusivo da vida humana através de tratamentos extraordinários sem efeito.

     A questão fundamental é: o que é a eutanásia? A palavra é composta de duas palavras gregas ― eu e thanatos ― e significa, literalmente, "uma boa morte". Medicamente, significa uma morte medicamente assistida, a prática pela qual se abrevia a vida de um doente de maneira controlada e assistida por um médico.

     Dentro da eutanásia, podem-se distinguir dois tipos: eutanásia passiva e eutanásia activa. A eutanásia passiva significa deixar que o doente morra, ou seja, a supressão de qualquer tratamento médico que prolongue a vida. A eutanásia activa consiste em tomar medidas activas que provoquem a morte do doente.

     Por outro lado, há a distanásia. Etimologicamente, é o contrário da eutanásia - do grego dis, mal, algo mal feito, e thánatos, morte. Consiste em prolongar o mais possível a vida do doente, ainda que não haja esperança de cura, através de métodos de suporte avançado de vida.

     Por fim, existe a ortotanásia, termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente uma morte digna, sem sofrimento, entregue à evolução e percurso da doença. Evitam-se, portanto, métodos extraordinários de suporte de vida em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a esses cuidados, e dá-se primazia aos cuidados paliativos.



     Que postura é moralmente correcta?



     Ser doente não é sinónimo de ser sucata. Os hospitais têm sido convertidos em autênticas oficinas de reparações: ou se consertam os pequenos defeitos ou o destino é a sucata. Quem assim o ordenou foi a nova aristocracia do bem-estar e do controlo demográfico. A medicina tornou-se, numa palavra, um instrumento da engenharia social. Os médicos têm de compreender que o seu primeiro dever ético - o respeito pela vida - se concretiza, em primeiro lugar, no respeito pela vida debilitada. O respeito pela vida está ligado, de forma indissolúvel, à aceitação da sua vulnerabilidade, à fragilidade do homem e à inevitabilidade da sua morte.


     Legalmente, partindo do princípio que vivemos num Estado de Direito, temos o pressuposto da protecção da vida dos seus cidadãos. Também sabemos, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todas as pessoas têm o direito à vida, a cuidados de saúde e a segurança em caso de doença. Só por este prisma, desde logo percebemos que há um grande conflito ético em permitir a prática da eutanásia para "aliviar o sofrimento de uma pessoa". Tendo em conta o juramento de Hipócrates, os médicos deveriam considerar a vida algo sagrado e, consequentemente, a eutanásia considerar-se-ia homicídio. Cabe assim ao médico, cumprindo o juramento de Hipócrates, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência.


     eutanásia pode parecer um acto de liberdade mas, ao fim e ao cabo, trata-se da supressão da própria liberdade. Torna-se evidente a desumanização e anti-socialização pela eutanásia, porque ataca o próprio fundamento da comunidade que é a vida dos seus membros.

     Do ponto de vista moral, a eutanásia é totalmente condenável, mas é importante observar que a distanásia também o é. Ambas possuem em comum o facto de desviar a morte do seu curso natural. Enquanto a eutanásia antecipa a morte, a distanásia prorroga sua chegada. Tal como a eutanásia, a distanásia é irracional e eticamente reprovável. Criar situações nas quais se prolonga quantitativamente a vida de um doente, à custa de métodos extraordinários de suporte de vida, é inaceitável. A morte de um doente nem sempre representa o fracasso de um médico, o verdadeiro fracasso é impor a alguém uma morte desumana. É legítimo morrer dignamente, o que não é legítimo é antecipar ou retardar o processo de morte.


     A doutrina cristã afirma que a eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Todo o esforço feito para aliviar a dor é apreciado como uma obra de misericórdia, e ao mesmo tempo permite que seja dado à dor um sentido redentor e de purificação, que leva a que alguém o possa aceitar como expiação das culpas, sem que por isto se deva deixar de usar os meios que a possam evitar. Apelando ao princípio moral positivo da caridade, compreende-se a licitude do uso de meios que aliviam a dor, ainda que se possa produzir o efeito secundário não desejado de encurtar a vida do paciente, e de fazê-lo de tal modo que o doente não venha a ficar num estado de inconsciência que o impeça de cumprir os seus deveres. A Igreja, apesar de estar consciente dos motivos que levam a um doente a pedir para morrer, defende acima de tudo o carácter sagrado da vida. Ninguém escolhe por gosto a eutanásia. O doente incurável, terminal, quer mais é libertar-se do que terminar a existência, quer mais “uma outra vida” do que esta vida, o que permite concluir que nem este nem qualquer argumento contra a vida são convincentes: a vida impõe-se a todas as possíveis argumentações contrárias. A resposta contrária à eutanásia segue, então, a linha dos cuidados paliativos, no âmbito médico e de enfermagem, e do acompanhamento amigo, de forma a aliviar ou até eliminar a dor física, psíquica e espiritual. 


     A atitude moralmente correcta será, portanto, uma postura defensora da ortotanásia, ou seja, o uso de cuidados paliativos como instrumentos de preservação da dignidade humana nos momentos finais da vida.


     Nunca é lícito matar o outro, ainda que ele o quisesse e mesmo que ele o pedisse. Nem é lícito sequer quando o doente já não está em condições de sobreviver.

08 setembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

O vínculo do casamento


     «Quando Deus criou o nosso primeiro pai e o pôs no Paraíso terreal, conta a Sagrada Escritura que sepultou Adão num profundo sono e que, entrementes que dormia, lhe arrancou uma costela do lado esquerdo, da qual formou nossa mãe Eva. Assim que despertou e deu com os olhos nela, disse: - Esta é a carne da minha carne, e o osso dos meus ossos. E Deus acudiu a ditar-lhe a lei: - Por esta o homem deixará o pai e a mãe e serão dois numa só carne. Então foi instituído o divino sacramento do matrimónio com tais vínculos que só a morte pode desatá-los. Tanta força e virtude possui este milagroso sacramento que faz com que duas pessoas diferentes sejam uma mesma carne. Vai mais longe: nos bem-casados, são uma vontade em duas almas.»


in D. Quixote de la Mancha

06 setembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

Andrea Bocelli & Giorgia - Vivo per lei

05 setembro 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Aqui dentro não sou nada

Trincafiam os quatro vultos brancos
A fera entorpecida, que contesta,
E selvagem, vorazmente infesta,
As garras de demónios mil e tantos.

Já o mar parece mais aéreo,
Já o vento não se sente enquanto passa.
E o sentimento que todo artista acossa,
Se descampa numa nuvem de mistério.

Mas liberdade, jamais acorrentada,
É folha fresca, fruto da nascente.
De todo esta alma viva vos consente,
Que seu ser emancipado volte ao nada.

E assim voas, destemido animal bravo!
Tudo largas e peleias. Nada impede,
Que enclausurado esta prisão te quede.
Ao sonho entregas tal clamor que te faz vivo.´



NMG

17 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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Fado do estudante (por Vasco Santana)


15 agosto 2011
Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves
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05 Agosto 2011 'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte V)

JOHN RAWLS: o primado da justiça numa sociedade pluralista

     Os eixos fundamentais do pensamento de Rawls são, por um lado, a prevalência dada ao que chama "a primeira virtude da sociedade" e, por outro, a necessidade teórica e prática de pensar a virtude social da justiça no quadro pluralista que marca as democracias constitucionais, ou Estados de direito.
     Uma sociedade justa de cidadãos livres e iguais, mas divididos nas suas doutrinas abrangentes, é possível na medida em que uma concepção pública de justiça restrita ao domínio político possa ser o foco de um consenso de sobreposição entre doutrinas abrangentes  razoáveis que fundamente os aspectos essenciais da constituição e os principais arranjos económicos e sociais. O bem do sistema de cooperação é simultaneamente o bem dos seus membros. Contudo, esta visão substantiva é, em parte, uma realidade e, também em parte, uma utopia.
     Partindo da ideia de sociedade como um sistema de cooperação, mas também conflito, entre indivíduos livres e iguais, quais são os princípios da justiça que podem estabelecer um adequado equilíbrio quanto às reivindicações respeitantes às vantagens e encargos dessa cooperação, quer em termos de direito e liberdades básicas, quer em matéria económica e social? O que é uma sociedade justa de pessoas livres e iguais? Como é possível a existência de uma sociedade justa e estável de cidadãos livres e iguais divididos nas suas doutrinas religiosas, morais e filosóficas?
     Segundo Rawls, à filosofia política podem-se atribuir quatro papéis fundamentais. Em primeiro lugar, tem uma função prática, surgindo quando existem importantes divisões na sociedade, por exemplo quando não se encontra consenso sobre o modo correcto de entender a liberdade. Em segundo lugar, a filosofia política tem uma função de orientação, permitindo conceber os fins e propósitos da sociedade no seu conjunto e o papel das pessoas como cidadãos dessa sociedade. Em terceiro lugar, tem um papel de reconciliação, permitindo compreender a racionalidade das instituições sociais formadas ao longo do tempo. Por fim, tem a função de formular uma "utopia realista" que conjugue uma visão ideal da sociedade justa com a exequibilidade social, tendo em atenção a realidade histórica. Em suma, a filosofia política parte dos desacordos existentes na sociedade e permite uma orientação e uma reconciliação de cada um com a sociedade em que se insere, mas também permite a articulação entre o real e o ideal.
     A liberdade e igualdade fundam-se em dois poderes morais: a capacidade para formular e perseguir uma concepção determinada do bem e a capacidade para um sentido de justiça. O primeiro é uma consequência da racionalidade, enquanto que o segundo advém da razoabilidade. São estes poderes morais, assim como as qualidades usuais do entendimento, que permitem a cada um ser um membro igual do sistema de cooperação social e desenvolver em liberdade a sua concepção do bem.
     A cooperação entre indivíduos iguais e livres requer a distribuição equitativa dos inevitáveis benefícios e encargos resultantes da vida em sociedade. Quando há cooperação existe também conflito em relação à partilha de vantagens e obrigações. É importante notar que, em qualquer sociedade, já existe uma estrutura básica da qual depende a distribuição dos bens sociais primários - liberdades, oportunidades de acesso a poderes e funções, riqueza e rendimentos - que é composta pelo conjunto das principais instituições - constituição, tribunais, estatuto económico, sistema educativo - e pelo modo como elas funcionam em conjunto para determinar na prática os direitos e deveres dos cidadãos. Cada um nasce já num enquadramento regulado por uma estrutura básica da qual depende em boa parte o ponto de partida de cada indivíduo.
     Segundo Rawls, a distribuição dos bens sociais primários segue dois princípios de justiça: o princípio da igualdade em sentido liberal e o princípio da diferença. O primeiro diz que cada pessoa deve ter um direito igual a um esquema inteiramente adequado de direitos e liberdades básicas, compatível com o mesmo esquema para todos, e que deve ser garantido o justo valor às liberdades políticas. O segundo princípio diz que as desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições: ser a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades; ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.
     Os princípios da justiça são reforçados através do argumento da "posição original". Funciona como um dispositivo de representação para os cidadãos de uma democracia. Na posição original, as partes que nos representam devem escolher a melhor concepção a partir de uma lista prévia fornecida pela história do pensamento político, lista esta que a qualquer momento pode ser alterada, e visa garantir a equidade da escolha e afastar a parcialidade que sói marcar as nossas opções em situação factual. Os princípios da justiça garantem a possibilidade da livre prossecução de qualquer concepção do bem compatível com a justiça e permitem uma clara ordenação das reivindicações quanto à distribuição dos bens sociais primários.
     Um socialismo de Estado não configura uma sociedade justa, conduz a um regime de partido único que controla a economia e pouco utiliza os mecanismos do mercado ou os procedimentos democráticos, violando flagrantemente o primeiro princípio da justiça. Para Rawls, os tipos de estrutura básica mais adequados são o socialismo liberal ou a democracia de proprietários: ambos são favoráveis à existência de um mercado livre e asseguram o direito de propriedade pessoal.
     Se uma sociedade com instituições justas implica uma democracia constitucional e, assim, a protecção das liberdades dos cidadãos, daí resulta um pluralismo de doutrinas abrangentes razoáveis, compatíveis com a justiça, de carácter moral, religioso ou filosófico. Uma doutrina abrangente é uma mundividência que articula valores e virtudes num sistema, muitas vezes apoiada numa visão religiosa ou filosófica. O pluralismo não tem um carácter provisório ou acessório numa sociedade democrática, é uma das suas características naturais e permanentes.

06 agosto 2011
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'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte IV)


ISAIAH BERLIN: da liberdade negativa à sociedade decente

     A filosofia de Berlin caracteriza-se fundamentalmente por uma defesa tenaz da liberdade e um ataque permanente ao dogmatismo inerente ao monismo.
     Berlin alerta-nos para o "poder das ideias" e para a influência que estas têm na formação e organização das nossas visões particulares do mundo. As duas grandes ameaças totalitárias que marcaram o século XX não podiam ser enfrentadas sem que se reconhecessem e compreendessem os alicerces filosóficos que as sustinham. As acções, noções e palavras políticas não são inteligíveis senão no contexto dos temas que dividem os homens que as usam, e o maior deles é a guerra sobre a questão da obediência e da coerção: "Porque é que eu devo obedecer a alguém? Porque é que eu não poderei viver como quero?"; "Se eu desobedecer, posso ser coagido? Por quem, em que medida, em nome de quê?".
     Para Berlin, existem dois modos de conceber a liberdade: uma forma negativa e outra forma positiva. Argumenta que cada um dos conceitos está vulnerável a ser pervertido, transformando-se no próprio vício em função da resistência ao qual o conceito foi pensado.
     A aproximação negativa remete-nos para a resposta à pergunta "Qual é a área na qual o sujeito deve ou pode agir sem a interferência de terceiros?", ou seja, um sujeito é livre na medida em que nenhuma pessoa interfira com a sua acção. Se essa interferência for além de um determinado nível, pode-se dizer que o sujeito está a ser coagido ou, no limite, escravizado. Isto é, só se pode falar em falta de liberdade na estrita em que um determinado agente se veja impedido de atingir um objectivo possível em resultado da interferência deliberada de outros seres humanos. No entanto, como a liberdade não é o único valor político nem o único propósito dos homens, pode ser necessária a sua restrição com vista, por exemplo, a evitar a injustiça ou a miséria generalizada, mas isto não deixa de ser um sacrifício à esfera de liberdade individual: «Se a minha liberdade depende da miséria de um número de outros seres humanos, o sistema que promove esta situação é injusto e imoral. Mas se eu restrinjo ou perco a minha liberdade, com vista a diminuir a vergonha de tal desigualdade, e com isso não aumento a liberdade individual de outros, ocorre perda absoluta de liberdade. Isto pode ser compensado por um ganho em justiça, ou em felicidade, ou em paz, mas a perda permanece, e é uma confusão de valores. (...) Restringir a liberdade não é fornecê-la, e a coacção, não importa quão bem justificada seja, é compulsão e não liberdade».
     Ao conceito negativo de liberdade, opõe-se um outro conceito positivo, que está implicado na resposta à pergunta: "O quê, ou quem, é a fonte de controlo ou de interferência que pode determinar alguém a fazer, ou ser, isto em vez daquilo?". Agora a questão reside em identificar e compreender o quê ou quem tem legitimidade para controlar, ou interferir sobre, o sujeito. Eu sou livre porque sou autónomo, eu obedeço a leis mas eu impu-las sobre mim próprio: liberdade é obediência, mas «obediência a uma lei que nós prescrevemos a nós próprios». Livre é o eu autónomo, aquele que é o senhor de si próprio, aquele que se libertou pela razão. Não obstante, o caminho da libertação pela razão não se restringe apenas ao indivíduo, ele pode e deve ser aplicado às relações entre indivíduos: «Pois se eu sou racional, eu não posso negar que o que é certo para mim deve, pelas mesmas razões, ser certo para os outros que são racionais como eu. Um Estado racional (ou livre) seria ser um Estado governado por leis tais que todos os homens racionais aceitariam livremente».
     Para Berlin, é um lugar-comum que a justiça e a generosidade, ou as lealdades privadas e públicas, podem conflituar violentamente entre si, e daqui pode-se generalizar que nem todas as coisas boas são compatíveis, e menos ainda os ideais da humanidade. Assim sendo, os conflitos de valores podem ser um elemento intrínseco e irremovível da vida humana: «A noção do todo perfeito, da solução derradeira, em que todas as coisas boas coexistem, não só me parece simplesmente inatingível mas conceptualmente incoerente. Alguns de entre os Bens Supremos não podem coexistir. É uma verdade conceptual. Estamos condenados a escolher, e cada escolha pode implicar uma perda irreparável». É neste sentido que se percebe um ataque contra as construções racionalistas monistas e dogmáticas, contra todas as formas de reducionismos que tudo esmagam contra o vazio mortal da uniformidade, porque ao arrogar-se detentor da verdade, o sistema irá inevitavelmente sufocar, oprimir e reprimir qualquer tentativa de liberdade. «O pluralismo (...) parece-me um ideal mais verdadeiro e mais humano do que os objectivos daqueles que, em estruturas grandes, disciplinadas e autoritárias, procuram o ideal do autodomínio positivo, por classes, por povos ou toda a humanidade. É mais verdadeiro, porque, pelo menos, reconhece o facto de os objectivos humanos serem múltiplos, nem todos comensuráveis, e em perpétua rivalidade entre si. É mais humano porque não priva os homens, em nome de um qualquer ideal, remoto ou incoerente, de muito do que descobriram ser essencial às suas vidas, enquanto seres humanos que se autotransformam de forma imprevisível».
      «O melhor que se pode fazer, como regra geral, é manter um equilíbrio precário que previna a ocorrência de situações desesperadas, de escolhas intoleráveis - é este o primeiro requisito para uma sociedade decente».

05 agosto 2011
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'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte III)

MICHAEL OAKESHOTT: a crítica ao racionalismo e a disposição conservadora

     O pensamento de Oakeshott assimilou no seu melhor a grande tradição da liberdade individual e do pluralismo da civilização, propondo que em cada momento cada sujeito ousasse fazer da sua vida uma vida boa, sem prejuízo de nenhuma das outras vidas com que se vai comprometendo.
     Na linha do Idealismo inglês, uma das principais ideias que Oakeshott desenvolve, de raiz hegeliana, é a seguinte: no que interessa aos propósitos da prática humana, o real é aquilo que é cognoscível, pelo que, só o que pode ser conhecido pode ser experimentado. Ser real é, portanto, pertencer a uma experiência, e toda a experiência é uma "ideia", isto é, o conteúdo de uma  consciência. Assim sendo, a consciência não pode distinguir-se dos seus conteúdos.
     Segundo Oakeshott, a vida vai-se compondo de perspectivas parciais e experiências fragmentárias, mas algumas destas formas distintas são, em princípio, comuns a todos nós - "modos" da experiência - e identifica quatro: Ciência, História, Prática, Poesia. Oakeshott entendia os modos como autónomos e iguais, de forma que nenhum, por si só, pudesse conter a verdade total acerca da experiência, mas cada um participasse igualmente no todo, e o fizesse por "abstracção" dessa totalidade de que era apenas parte. Então, a nenhum modo poderia permitir-se qualquer tentativa de sobreposição ou contradição relativamente aos outros, embora todos tendam naturalmente a invadir o território alheio: interpretar a História à luz de princípios morais, religiosos ou políticos; procurar uma base científica para a moral ou para a política... Nada pode impedir um dos "modos" de construir um discurso interpretativo de uma realidade que não é naturalmente sua, mas esse discurso é sempre irrelevante, porque resulta de um erro de categorização.
     Na sua crítica ao Racionalista, afirma que este acredita que há apenas uma "razão", externa a todas as actividades e, por isso mesmo, válida para todas elas. Portanto, a posse da razão dá ao seu possuidor o direito de reorganizar o mundo de acordo com aquilo que julga serem os critérios estritos da racionalidade. A articulação dos ditames da razão constitui uma "ideologia", e esta materializa-se na prática sob a forma de um "plano" - um programa de acção abrangendo a realidade total e que encontra justificação intelectual na racionalização que lhe deu origem. Para Oakeshott, é absolutamente criticável a ideia de "planear" como forma apropriada para a organização de uma sociedade, porque uma sociedade não é um maquinismo, é pelo menos algo vivo, e o que dá vida e realiza as sociedades é a convergência não planeada das escolhas livres dos indivíduos que a constituem. O único conhecimento social praticamente relevante é aquele que está contido no conjunto das tradições inconscientes que foram emergindo na Prática e governam a sua evolução constante. Por isso, os "planos" estão não só condenados ao fracasso, o qual só pode ser adiado pelo uso contínuo da força repressiva, como constituem um ataque grave à possibilidade de evolução futura da própria actividade social, cujo livre desenvolvimento acabam por impedir. As tradições podem mais fielmente constituir-se como guias de qualquer actividade, visto terem-se desenvolvido como o fruto de um processo de aprendizagem por tentativas e erros, o qual pressupõe uma completa imersão na realidade a que respeitam, e não é por isso permeável a qualquer tentativa de racionalização.
     O erro Racionalista, portanto, é o de imaginar que o conhecimento técnico é a única forma racionalmente aceitável de conhecimento. Os seus próprios erros e falhanços históricos não constituem motivo de auto-aprendizagem, porque o erro nunca é assacado à teoria que a ele conduziu, mas a deficiências na respectiva execução. Em política, na ânsia de conduzir a sociedade pela senda da "perfeição", defendia políticas uniformizadoras incapazes de lidar com a livre variedade de escolhas singulares e reforçava obrigatoriamente a autoridade central do Estado.
     A relação apropriada a desenvolver entre os vários discursos com que se constrói o mundo humano é a "conversação", que se opõe ao argumento ou inquérito, sendo um fim em si mesma, não procurando conclusões mas tendo pela sua própria natureza um carácter permanentemente inconclusivo. Aceita as proposições ou argumentos que possam contribuir para o seu enriquecimento, mas não aceita o monopólio de qualquer tipo de discurso. Tudo o que é verdadeiramente importante na vida é um fim em si mesmo, não tem valor instrumental, e é, neste sentido estrito, literalmente "inútil". Todas as afirmações de carácter "modal" têm que se reconhecer a si mesmas como provisórias e relativas, têm que aceitar que outras espécies de experiências são possíveis. Uma conversação só pode ser bem sucedida numa situação de moralidade, sendo a acomodação de uns indivíduos aos outros na comunidade moral aquilo que caracteriza a conversação. Quanto ao governo, deve ser uma actividade específica e limitada, sem preocupações que não sejam as de manter a paz entre os cidadãos, permitindo-lhes desempenhar em liberdade as actividades que livremente escolheram na procura de felicidade. O objectivo político não pode ser um projecto, pelo que a única regra moral a promover é a da civilidade.
     A questão política da conduta humana coloca-se do seguinte modo: como conciliar liberdade individual e escolha plural, mantendo simultaneamente a coesão social e gerindo civilmente o inevitável conflito de interesses particulares? Oakeshott defendia que o problema teria uma solução dentro do que apelidava de "disposição conservadora". Não somos naturalmente conservadores, mas somo-lo necessariamente muitas vezes. Ser conservador não correspondia a seguir qualquer credo ou doutrina, mas antes dispor-se a pensar e a conduzir-se de uma certa maneira, preferir certas escolhas em determinadas circunstâncias, aprendendo a tirar partido das possibilidades do presente em vez de ansiar nostalgicamente por passados irrecuperáveis ou por eventos futuros incertos. O conservadorismo é, então, uma forma de estar, uma "disposição".O homem de temperamento conservador acredita que um bom presente é sempre preferível a um hipotético melhor futuro, e mostra-se mais disposto a usufruir o que lhe é seguro e conhecido do que a lançar-se em aventuras e explorações de final incerto.
     Como seres de "conversação", estamos permanentemente implicados numa relação infinda de auto-descoberta e associação, temos uma história e não uma natureza. Chamamos liberdade a esta realização histórica colectiva que o indivíduo aprende a cultivar na justa medida em que a reconhece como fonte de protecção individual e pré-condição dos compromissos que toma com os seus pares. Por isso, a disposição conservadora torna-se especialmente adequada no que diz respeito à política, visto que combina a observação e o respeito pela nossa maneira corrente de viver com a crença de que governar é uma actividade específica e limitada. O governo não deve impor qualquer crença perfeccionista ou dirigir a actividade dos sujeitos, mas apenas regular e administrar o jogo social, gerir o debate de acordo com as regras regras conhecidas mas sem participar dele. Os conservadores preferem reforçar as regras existentes do que inventar regras novas, o que fazem apenas em caso de uma insuperável necessidade de adaptação histórica.
    Concluindo, Oakeshott defendia que o que era preciso era recuperar o sentido perdido de uma sociedade cuja liberdade e organização nascem do poder integrador dum vasto e subtil corpo de direitos e deveres partilhados entre os indivíduos, que não são um presente da natureza mas o produto da nossa experiência e inventividade; e recuperar igualmente a percepção da nossa lei enquanto método vivo de integração social.
   
23 julho 2011
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'Pensamento político contemporâneo', J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte II)

FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK: liberdade e ordem espontânea

     Hayek marcou a História como um dos mais sérios e demolidores críticos das ideias comunistas e socialistas, tendo sobremaneira contribuído intelectualmente para a queda dos regimes ditatoriais marxistas e para o renascimento do ideal liberal. Este autor demonstrou que a liberdade não é incompatível com a existência de ordem em sociedade, arguindo que a sociedade da abundância é a sociedade liberal, e não a sociedade comunista.

     Uma das ideias fundamentais que estrutura todo o pensamento de Hayek é a ideia da ignorância constitutiva de todo o ser humano: a mente humana não tem a capacidade de explicar, em termos de relação causa-efeito, uma série de fenómenos do mundo natural e social. A compreensão de fenómenos complexos não é impossível, mas é muito menos completa do que a compreensão de fenómenos simples, pois assentará em explicações de princípio, estruturais, gerais. Portanto, remata que é preciso entender que o poder da razão não é ilimitado, embora, se bem utilizado, possa servir o progresso humano.

     Para Hayek, a melhor ordem social será aquela que proporcionar a maximização da possibilidade de cumprimento do maior número de fins individuais. Aquela que melhor cumpre este desiderato é a ordem social liberal ou ordem capitalista, que assenta nos princípios fundamentais da economia de mercado (que, por ser um sistema descentralizado, é muito mais eficiente em permitir a maximização do produto), da liberdade individual (que permite ao indivíduo utilizar os seus conhecimentos na prossecução dos seus fins) e da minimização da coerção (em que o Estado só deve intervir para evitar que os indivíduos se coajam uns aos outros).

     Quanto à justiça social, Hayek afirma ser incompatível com a liberdade. A sociedade não possui uma vontade própria e, para além disso, o facto de determinados cidadãos receberem um rendimento inferior a outros não resulta da quebra de determinadas regras de conduta mas, pelo contrário, do cumprimento das regras do mercado. Também não é possível elaborar regras de conduta que, a serem seguidas por todos de forma igual, conduzissem a resultados que se pudessem considerar “igualmente justos”. Explica que, no mercado, a posição em que cada um se encontra é o resultado não intencional da actuação simultânea de milhões de agentes económicos, e se estes cumpriram as regras de conduta vigentes, tal posição não pode ser injusta.

     Num sistema liberal, os indivíduos só obedecem a regras gerais e abstractas (contrariamente a um sistema comunista), que não visam fins concretamente definidos mas que permitem a manutenção da ordem social espontânea. São esferas protegidas de direitos, regras que defendem a liberdade individual e permitem o funcionamento da economia de mercado. Não resultam da actividade de um legislador mas também não se encontram fixadas na natureza: são consequência de fenómenos resultantes da acção humana, sendo por isso um direito natural, na medida em que advêm de uma evolução não intencional ao longo de centenas de anos que seleccionou as regras de conduta mais eficientes e adequadas para aquela sociedade.

20 julho 2011
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Pensamento político contemporâneo' - J. C. Espada e J. C. Rosas (Parte I)


KARL POPPER: a sociedade aberta e os seus inimigos

     Popper ficou conhecido pelo seu combate intelectual para criticar e derrotar simultaneamente o dogmatismo e o relativismo.

     Faz a distinção fundamental entre sociedade aberta e sociedade fechada na aceitação ou não da liberdade de crítica, admitindo que esta é indispensável para o progresso do conhecimento. As democracias liberais modernas são herdeiras de um longo processo de abertura gradual das sociedades fechadas, tribais e colectivistas do passado, conflito que opôs estas democracias aos totalitarismos nazi e comunista.

     Como intransigente defensor das democracias liberais, é, contudo, um crítico contundente das teorias usualmente associadas à democracia, em particular a que entende a democracia como o regime fundado no governo do povo ou da maioria – soberania popular.

     Se o melhor regime for definido como aquele que um - talvez o mais sábio, o mais forte, ou o melhor - deve governar, então esse um pode, segundo a definição do melhor regime, entregar o poder a alguns ou a todos, dado que é a ele que cabe decidir ou governar. Chega-se então a um paradoxo: uma decisão conforme à definição de melhor regime conduz à destruição desse mesmo regime. Este paradoxo ocorrerá qualquer que seja a resposta à pergunta «quem deve governar?» (um, alguns, ou todos reunidos em colectivo) e decorre da própria natureza da pergunta - que remete para uma resposta sobre pessoas e não sobre regras que permitam preservar melhor o regime.

     A teoria da democracia de Popper decorre da resposta à pergunta: não sobre quem deve governar, mas como evitar a tirania, como garantir a mudança de governo sem violência. O governo democrático surge como um conjunto de regras que assegura esta condição, através da separação de poderes, freios e contrapesos, garantias legais – o governo constitucional. Dentro dos limites constitucionais que pretendem assegurar estas garantias, as funções e políticas específicas de cada governo devem estar sujeitas à controvérsia racional e ao ensaio em erro, mas apenas numa intervenção de tipo parcelar e não de tipo global ou utópica.

     Popper destaca-se também na sua posição contra o historicismo: afirma ser impossível prever o futuro e demonstra que as profecias historicistas não são em regra susceptíveis a teste. A “previsão” marxista sobre o inevitável advento do socialismo trata-se, portanto, de uma superstição. O socialismo nunca ocorreu nos países em que a teoria previa que devia ocorrer – os países de capitalismo maduro – mas naqueles em que não devia ter ocorrido – os países pré-capitalistas ou de capitalismo incipiente. Mais ainda, os países em regime socialista deram lugar, após a década de 80, ao capitalismo democrático, o que estava supostamente excluído pela teoria. O impulso moral humanitário do socialismo original foi corrompido pelo historicismo alegadamente científico, que, ao proclamar que todos os princípios e valores morais são relativos ao contexto e época históricos, esvaziou a moral de todo e qualquer conteúdo autónomo, subordinando-a por inteiro à doutrina do sucesso histórico. A consequência do marxismo não se fez esperar, substituindo o marxismo teórico pelo marxismo das ditaduras mais sanguinárias.

     Outra atitude que esvazia a moral de conteúdo autónomo é o colectivismo, que atribui ao colectivo uma “essência” independente dos indivíduos que o compõem. Porque o colectivo se trata realmente de um conjunto de indivíduos, alguém vai ter que falar em nome do colectivo, o que abre as portas à tirania, ao líder que fala em nome da multidão e que em nome dela esmaga toda e qualquer oposição individual. No plano moral, rouba a responsabilidade moral ao indivíduo. Daí, Popper relembra o crucial contributo do Cristianismo para a emergência do individualismo altruísta, recordando que Cristo disse «ama o teu semelhante» e não «ama a tua tribo».

     Um outro inimigo da sociedade aberta é o naturalismo ético, que consiste em tentar reduzir normas a factos, como solução para superar a arbitrariedade das normas morais. Criticando esta postura, Popper afirma que «a principal doença do nosso tempo é um relativismo intelectual e moral», caracterizado pela negação da existência de verdade objectiva e/ou pela afirmação da arbitrariedade da escolha entre duas teorias. Ou seja, o único padrão moral seguro é o de que não existem padrões. É precisamente o que Popper critica sobre o positivismo ético: um enunciado é verdadeiro se e apenas se corresponde aos factos, e só este entendimento de verdade permite dar sentido ao conceito de erro. Sustenta que podemos aprender com os nossos erros e também podemos procurar padrões moralmente mais exigentes, o que é uma característica fundamental do liberalismo – a procura de padrões sempre melhores, políticos e legislativos.

     Para terminar, Popper defende que, hoje em dia, por abertura intelectual, a cultura de massas entende hoje um relativismo dogmático dogmático assente na certeza inabalável de que todos os pontos de vista são arbitrários. A sociedade aberta torna-se, então, numa sociedade à deriva, sem padrões morais substantivos, cuja única convicção moral é a negação de padrões e a perseguição intelectual a quem os tem.

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César das Neves: crise político-económica e agências de rating

Todos falam agora de uma solução europeia para a crise. O que é uma solução europeia?
A crise é europeia e uma solução europeia é indispensável. Mas penso que as razões pelas quais se está a falar numa solução europeia são más. O que se passa é que a Europa criou um projecto comum e deveria ter criado os mecanismos correspondentes para que esse projecto comum fosse obedecido por todos. Nem todos o fizeram e a Europa deixou que esses casos mal comportados se mantivessem durante muito tempo. Nós estamos a destruir uma solução europeia e agora estamos a querer que os outros, por solidariedade com o nosso mau comportamento, entrem em acção. É evidente que eles têm de o fazer, porque há aqui uma questão de solidariedade. Mas só depois de eliminarmos os disparates que fizemos, e que põem em risco toda a Europa, teremos cara para pedir uma solução europeia. Há aqui uma dicotomia que não só é falsa como um bocadinho vergonhosa, a de dizer que a culpa da crise é da senhora Merkel.

Mas a concepção e as regras do euro não incentivaram esse tipo de mau comportamento?

O euro foi bem concebido. O erro esteve em 2004, quando se decidiu que o Pacto de Estabilidade era estúpido, uma expressão do Romano Prodi [então comissário europeu dos Assuntos Económicos]. Era uma regra que tínhamos de cumprir. Inicialmente havia uma coisa que impedia estes disparates, uma limitação – certamente exagerada, dos 3% do PIB para o défice e dos 60% do PIB para a dívida –, mas que de repente se transformou não numa regra financeira mas numa regra política. E aí foi aberta a porta para o disparate. Somos herdeiros não da má concepção de 1999, mas da correcção do pacto por culpa da Alemanha e da França, que o violaram. Excepto em 2007, desde 2001 que violamos ininterruptamente o Pacto de Estabilidade. O euro estava mal concebido? Não. Os países que estão em sarilhos são aqueles que violaram o pacto. 

Mas não houve um problema de incentivo errado dado pela política monetária comum e pela queda abrupta dos juros?
Mas ter juros baixos não é uma coisa má, é uma coisa óptima. O que é mau é não saber viver sem eles. Tivemos um bar aberto e apanhámos um pifo. O mau está no bar aberto? Não, o mal está no pifo. Tivemos um choque de rendimentos positivo que deveria ter sido imediatamente usado pelo governo para, por exemplo, pagar a dívida e equilibrar a economia. Aconteceu exactamente o contrário. Endividou-se ainda mais, disse que estava tudo fixe, ajudou a alimentar os lóbis. Com todas estas coisas instalou--se um clima que tem 15 anos, desde o caminho para o euro, em meados da década de 90. São 15 anos disto com os últimos dez anos de sucessivas promessas de que vamos resolver o problema. Esta é a quarta austeridade que nós temos. Austeridade final, porque vai resolver o problema.

Vai resolver? Agora é vai ou racha?
Exactamente. Agora não há dinheiro, acabou. Nas três anteriores – do Guterres, do Durão Barroso e do Sócrates – todos eles começaram muito bem, mas depois… É muito engraçado fazer agora o paralelismo entre este governo do Passos Coelho, que tem duas semanas, e as duas primeiras semanas do Sócrates [em 2005]: são praticamente iguais. Prometeram que iam reformar tudo. A única coisa que fizeram até agora foi subir impostos. Há uma coisa boa que os separa: é que agora não há dinheiro. Ponto. Agora vai ter mesmo de se cortar. A única questão é onde. Ou seja, se os tais lóbis que dominaram a política portuguesa nos últimos 15 anos vão continuar a ter força e não pagam ou se se vão poupar aqueles que deviam ser poupados.

O maior obstáculo ao cumprimento do programa não é a tensão na rua, mas é a resistência mais sub-reptícia dos grupos de interesses na sociedade portuguesa?
Sim, acho que esse é o problema fundamental. Penso que em Portugal não vamos ter grandes problemas de contestação. Talvez me engane, mas espero que não.

Já foram anunciadas muitas medidas (cortes salariais, subidas do IVA e do IRS, impostos extraordinários, etc.) e ainda não houve nada de sério na rua… 
Exactamente, não está a acontecer aqui o que se passa na Grécia, nem sequer em Espanha, onde o nível de tensão social é muito grande.

Porque acha que isso acontece?
Porque percebemos que isto é um drama que temos de resolver. Não adianta protestar porque isso não vai resolver nada. Somos realistas e pacatos também. E temos isto há muito tempo. Não é como em Espanha, que há pouco tempo – há dois anos – estava no auge do sucesso. Nós há dez anos que dizemos que estamos em crise. O problema decisivo é outro. Claramente, os últimos governos estavam no bolso de grupos – sobretudo o último, o que ficou evidente neste estertor final. Não é tanto uma questão de corrupção. Se eles enfrentassem os lóbis não eram políticos, eram postos na rua naquele dia.

De que lóbis fala?
São professores, médicos, construção civil, banca, funcionários públicos, uma data de câmaras. Existe um certo número de pessoas que capturaram os ministérios. Têm poder para isso, poder para impor o TGV. Há um episódio que para mim foi um momento de iluminação: em Maio de 2010 há um Conselho Europeu em que a Merkel claramente puxa as orelhas ao Sócrates. O Sócrates voltou e na segunda-feira seguinte são anunciadas duas medidas. A primeira reduz o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção. A segunda mantém o TGV. Este governo estava completamente capturado, nem podia piar.

E este novo governo, não está?
Um governo novo é sempre um governo novo, e só esse facto já rejuvenesce um pouco as coisas. Por outra razão, acho que as pessoas – lóbis incluídos – estão mesmo assustadas, convencidas de que é preciso cortar. Ter o FMI a rosnar ajuda muito.

Mas cortar vai chegar? Na parte do crescimento, as medidas a tomar no âmbito do memorando não demoram a ter efeito? Se nos últimos dez anos de euro tivemos este registo deprimente, o que nos garante que vai ser diferente nos próximos anos?
A economia reage muito depressa, só que agora está estrangulada por uma enorme quantidade de coisas. A economia tem uma capacidade grande de reestruturação e não é preciso demorar cinco anos. Dito isto, tem razão: é a parte mais difícil e demorada. Há coisas evidentes que estão no memorando e que teriam um impacto até relativamente significativo. É preciso saber se têm coragem.

Por exemplo...
Temos neste momento em cima da mesa uma coisa que o governo disse que fazia e que está a dizer que não vai fazer: reduzir o número de câmaras. É uma das mais dramáticas, mas é o tipo de coisa que é preciso fazer. Estou com esperança que tenha uma bomba ou duas preparadas para sair – mas têm de sair nos próximos dias. O Passos Coelho tem de tirar da cartola três ou quatro coisas bombásticas. Até agora a única que ele tirou é errada. Talvez necessária, mas errada: subir impostos, o que Sócrates fez em 2005. Não resolve literalmente nada, porque quando aumentamos os impostos a despesa aumenta.

Acredita que em seis meses o governo é capaz de cortar mais mil milhões de euros na despesa que o previsto?
É possível. Estamos a falar de uma montanha de dinheiro. A despesa pública é metade do PIB, dezenas de milhares de milhões de euros. É fácil cortar, difícil é cortar com atenção. Há muito tempo que o governo anda a tentar cortar, mas corta onde pode e não onde deve. Precisamente por causa dos lóbis. Um exemplo espantoso, infelizmente com maus resultados, foi o que aconteceu com a eficiência da máquina fiscal com o Paulo Macedo no tempo do Durão Barroso. O resultado disto foi mau: mais aumentos de impostos. A máquina está distorcida por uma enorme quantidade de erros e quando ela agora passa a funcionar bem é uma grande distorção.

Mas não é positivo e justo que se combata a fraude e a evasão fiscal?
Não é se os impostos estiverem mal concebidos. Grande parte da fraude fiscal é uma coisa perfeitamente legítima, que a sociedade faz perante um imposto que é completamente predatório. Esse é que é o ponto.

Mas de que impostos fala?         
Aqueles impostos que destroem as empresas, no final fica tudo pior: não há empresa e não há imposto, porque a empresa desapareceu.

O IRC, as taxas, o IVA…
Quando nós temos um imposto que não está concebido para que a economia cresça e dê ao Estado aquilo que ele precisa, mas para que se tire todo o dinheirinho que se pode porque já gastámos o que tínhamos… E quando precisamos de mais e tiramos onde é possível tributar e não onde se deve tributar, estamos a destruir o aparelho produtivo. E no final nem há nem aparelho produtivo nem impostos. E depois vamos ter de tirar mais a outros. É aqui que a máquina está distorcida: e foi esta máquina que agora pusemos a funcionar bem. Basta comparar o peso dos impostos indirectos em Portugal: é o maior da União Europeia. E o peso dos impostos directos em Portugal é em média o mais baixo da União Europeia.

O Memorando é uma oportunidade perdida para remodelar os impostos ou não havia margem agora?
A única hipótese de remodelar o sistema fiscal é começar por reduzir o peso da despesa. Enquanto não reduzirmos a despesa é literalmente impossível. Neste momento não é possível remodelar a máquina fiscal.

Provavelmente, com o aumento de impostos que está no Memorando, vai haver mais fuga e evasão…
Poderá haver. O único sítio onde estão a ir é ao IVA e aos trabalhadores por conta de outrem, que são os únicos sítios onde eles podem ir.

De volta à resposta europeia à crise, tem de haver uma resposta europeia. Qual?
A resposta europeia que até agora tem sido pensada, que é muito pesada sobre a solidariedade, é pedir aos alemães que dêem dinheiro aos gregos, aos portugueses, aos irlandeses…

É emprestar, não é dar.
Mas como ninguém empresta eles estão a dar. [O conceito de] emprestar só é uma coisa legítima quando toda a gente lhe empresta. Quando eu estou a emprestar a uma pessoa a quem ninguém empresta, na prática estou a fazer-lhe uma oferta.

Mas está a cobrar-lhe um juro de 5,5%...
Está bem, mas ninguém emprestava. Nem com 5,5%, ninguém lhe emprestava. Para ir ao mercado cobravam-lhe dez ou vinte pontos – eu estou a dar-lhe uma oferta de cinco pontos. Mesmo que seja um empréstimo, estou a dar-lhe de mão beijada o desconto do juro. Mas esta solução não está a funcionar. É por isso mesmo que as pessoas nestes países marginais estão a falar da solução europeia. Querem que emprestem mais para pôr a casa em ordem. Só que não é possível pôr a casa em ordem. Portanto a solução europeia é uma solução que é muito mais agradável para os alemães, mas que parece a única coisa possível, que é a reestruturação da dívida.

É para aí que a Europa está a caminhar…
No caso da Grécia parece-me que é evidente que não há solução. A Grécia pediu dinheiro a mais. Isto é um erro que o país cometeu, mas também dos estúpidos dos credores que lhe emprestaram uma coisa que ele nunca vai pagar. Se continuarmos a insistir que a Grécia pague tudo o que pediu isto estrangula o país, que não produz nada, e também não paga nada. É uma perda para todos. A solução é substituir esta dívida por outra mais baixa – a dívida é inferior, o credor perde uma pipa de massa porque emprestou 100 e só recebe 50, mas essa dívida já é sustentável e vai ser paga. É para aí que a Grécia está a ir: a questão é saber se isto é feito de uma forma ordenada, arbitrada por uma terceira entidade, neste caso a Comissão Europeia, que o faça de maneira que haja acordo [entre Grécia e credores], ou se isto é feito em zanga e rebenta com tudo. Perdem os credores, que não recebem, e perde a Grécia, que perde acesso aos mercados. Temos na história centenas de falências de países que correram bem e mal. A maior parte correu mal.

Dê-nos exemplos.
Já aconteceram histórias em que os países foram vendidos a patacas. A Terra Nova foi entregue ao Canadá por falência. Era um país independente e tinha o segundo parlamento mais antigo da Commonwealth. Estava endividado à Grã-Bretanha, que suspendeu a democracia e arbitrou uma venda ao Canadá. A Terra Nova neste momento é parte do Canadá porque faliu nos anos 30. Temos outros casos, como a diplomacia da canhoeira no Egipto. O Egipto endividou-se à Grã-Bretanha, que levou para lá os canhões, cobrou os impostos e veio embora quando aquilo estava pago. Hoje já não é possível uma coisa dessas.

Isso é o que a Europa está a fazer na Grécia, mas sem armas. Já enviaram técnicos para cobrar os impostos aos gregos…
Acaba por ser. Esse é o ponto. As soluções são muitas. Um caso bem sucedido foi o dos planos Brady. Nos anos 80 os países do terceiro mundo estavam completamente endividados e os EUA arbitraram uma substituição de dívida entre os bancos, a maior parte deles americanos e europeus. As dívidas foram substituídas por uns títulos com a garantia do Tesouro norte-americano, inferiores à divida. Mas depois eles pagaram, tirando o Equador, tanto quanto sei. Os países já não tinham tanta dívida e voltaram ao crescimento.

Em Portugal pode haver a hipótese de restruturar?
Acho que Portugal tem hipóteses disso.

É surpreendente ouvi-lo falar de reestruturação. Há um ano admitira isso?
Há dois anos disse que o FMI devia ser chamado, ainda ninguém sonhava isso. Estou convencido, embora sem prova, que ainda podíamos ter safo a nossa situação sem ter pedido ajuda. Mas tivemos algo que mais ninguém teve que foram dois anos e meio de negação. Dois meses e meio depois da falência do Lehman Brothers, a 14 de Outubro de 2008, a Irlanda apresentou um Orçamento do Estado que baixava os salários dos funcionários públicos, incluindo o do primeiro-ministro. No mesmo dia Portugal apresentou um Orçamento do Estado para 2009 em que fazia a maior subida dos salários dos funcionários públicos desde 1980. O ano de 2009 é um ano em que houve uma queda do produto de 2,5% e uma subida dos salários reais no país de 5%. Comparado com isto só 1975 com Vasco Gonçalves: a economia a cair e os salários a subirem. É de loucos. Portanto em 2009 disse que era preciso pedir ajuda. Agora começo a dizer que provavelmente é preciso reestruturação. Mas ainda não estou mesmo convencido que seja precisa a reestruturação. É preciso dizer que estamos envolvidos em dois jogos: um nosso, outro a Europa. Temos de ganhar os jogos todos para sermos repescados e não dependermos só de nós. Se fizermos isto tudo certinho podemos voltar a ser o bom aluno europeu, a surpresa inesperada. Temos uma nesga. Dito isto, a maior parte do horizonte é uma reestruturação. Não é o fim do mundo, mas cria ondas [negativas] de reputação, e em finanças tudo é reputação e confiança.

É visível que no espaço da direita liberal tem havido uma aproximação a posições e diagnósticos defendidos por economistas da esquerda. Tem sido assim com as agências de rating, sobretudo depois do corte feito pela Moody’s, depois com a ideia de uma solução europeia e com a reestruturação, que era tema tabu. Há incoerência intelectual da direita ou é análise em resposta à realidade?
A direita é aquela que acha que os mercados são óptimos e funcionam bem. E a esquerda é aquela que acha que funcionam mal e que temos de os substituir. De facto, o que acontece é que os mercados são excelentes e têm enormes defeitos. O exemplo que dou sempre é o do avião. O avião voa. E às vezes cai. As carroças não caem. A malta que vê cair os aviões fica horrorizada porque morre imensa gente. Mas não estão a pensar voltar a andar de carroça. Os da esquerda são aqueles que querem voltar a andar de carroça e que quando vêem o avião a cair dizem “eu bem disse que isto é uma coisa horrível que funciona mal”. Os outros ficaram horrorizados porque partiram do princípio de que os aviões nunca caem. Estamos numa situação em que estão a mostrar-se os defeitos que sempre existiram – e que nem sequer são raros. Os keynesianos e os de esquerda andam todos contentes. Só os liberais acéfalos que acharam que o mercado estava sempre a funcionar bem e que quanto mais mercado melhor, que nunca perceberam que é preciso ter um equilíbrio entre o mercado e o Estado, é que estão envergonhadíssimos. E depois fazem esta coisa completamente idiota que é renegarem o que andaram a dizer.

Como no caso das agências de rating?
Estas parvoíces que andam a dizer acerca das agências de rating são monstruosas. É chatear o árbitro. Ninguém disse que a Moody’s não tinha razão. Porquê? Porque a Moody’s não só tem razão, como está a dizer aquilo que os da esquerda andam a dizer: que Portugal não vai conseguir pagar a dívida. Por exemplo, na véspera de a Moody’s ter dito o que disse, o Dr. Silva Lopes disse exactamente o mesmo. No sábado seguinte o “Expresso” louvou o Dr. Silva Lopes e condenou a Moody’s, o que é uma coisa extraordinária. Ninguém diz que a Moody’s está errada. Dizem que a Moody’s não devia ter dito o que disse ou que não devia sequer existir.

E as reacções no sentido de se criar uma agência europeia, também lhe parecem descabidas nesta altura?
Depois querem fazer uma coisa extraordinária que é uma agência europeia. Das duas uma: ou é justa e diz a mesma coisa que Moody’s, obrigadinho não é preciso, ou vai passar a ser muito simpática e ninguém empresta à Europa porque ninguém acredita. Estamos a brincar.

Ficou surpreendido com o facto de o Presidente da República ter entrado nesta onda de indignação?
Tive pena que ele tivesse entrado. O Professor Cavaco Silva é um excelente economista e um grande político. Admiro-o extraordinariamente. E quando vejo coisas destas, e já não é a primeira vez, vejo aí uma questão política que ele tem que fazer. Ele é o Presidente da República. Foi meu professor, acompanho a carreira dele há muito tempo e aconteceu--me várias vezes isto: achar que ele está a dizer uma coisa que eu acho que ele sabe que não pode ser dito assim, mas que se ele dissesse como eu acho que as coisas são teria consequências políticas gravíssimas, porque ele está a representar o país.

Mas o Presidente da República não pode dizer que o corte é justo?
Se ele disser que o corte é justo primeiro cai-lhe tudo em cima e depois vai haver mais cortes porque as outras vão depois cortar.

Mas ele não está a alimentar a ilusão de que a culpa é das agências?
Bem, ele nunca disse que a culpa era das agências de rating. Também é preciso dizer que a avaliação da Moody’s é uma avaliação contestável, como todas as avaliações de risco. Não concordo com o que disse o Dr. Silva Lopes e a Moody’s. Acho que não estamos assim tão mal. Nesse sentido concordo mais com a Fitch e a S&P, que mantiveram o seu rating acima de lixo. Mas o Prof. Cavaco Silva não faltou ao respeito, não entrou por essas coisas. Diria que ele fez o que é politicamente mais razoável: bateu na Moody’s, que tem costas largas e pele dura (está habituada a isso, é para isso que as agências de rating servem), poupando a imagem do país, que é o que neste momento é mais fraco e aquilo que ele tem de defender. Acho que é compreensível. 

Posted by Nuno T. Menezes Gonçalves

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