Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves 20 julho 2011


KARL POPPER: a sociedade aberta e os seus inimigos

     Popper ficou conhecido pelo seu combate intelectual para criticar e derrotar simultaneamente o dogmatismo e o relativismo.

     Faz a distinção fundamental entre sociedade aberta e sociedade fechada na aceitação ou não da liberdade de crítica, admitindo que esta é indispensável para o progresso do conhecimento. As democracias liberais modernas são herdeiras de um longo processo de abertura gradual das sociedades fechadas, tribais e colectivistas do passado, conflito que opôs estas democracias aos totalitarismos nazi e comunista.

     Como intransigente defensor das democracias liberais, é, contudo, um crítico contundente das teorias usualmente associadas à democracia, em particular a que entende a democracia como o regime fundado no governo do povo ou da maioria – soberania popular.

     Se o melhor regime for definido como aquele que um - talvez o mais sábio, o mais forte, ou o melhor - deve governar, então esse um pode, segundo a definição do melhor regime, entregar o poder a alguns ou a todos, dado que é a ele que cabe decidir ou governar. Chega-se então a um paradoxo: uma decisão conforme à definição de melhor regime conduz à destruição desse mesmo regime. Este paradoxo ocorrerá qualquer que seja a resposta à pergunta «quem deve governar?» (um, alguns, ou todos reunidos em colectivo) e decorre da própria natureza da pergunta - que remete para uma resposta sobre pessoas e não sobre regras que permitam preservar melhor o regime.

     A teoria da democracia de Popper decorre da resposta à pergunta: não sobre quem deve governar, mas como evitar a tirania, como garantir a mudança de governo sem violência. O governo democrático surge como um conjunto de regras que assegura esta condição, através da separação de poderes, freios e contrapesos, garantias legais – o governo constitucional. Dentro dos limites constitucionais que pretendem assegurar estas garantias, as funções e políticas específicas de cada governo devem estar sujeitas à controvérsia racional e ao ensaio em erro, mas apenas numa intervenção de tipo parcelar e não de tipo global ou utópica.

     Popper destaca-se também na sua posição contra o historicismo: afirma ser impossível prever o futuro e demonstra que as profecias historicistas não são em regra susceptíveis a teste. A “previsão” marxista sobre o inevitável advento do socialismo trata-se, portanto, de uma superstição. O socialismo nunca ocorreu nos países em que a teoria previa que devia ocorrer – os países de capitalismo maduro – mas naqueles em que não devia ter ocorrido – os países pré-capitalistas ou de capitalismo incipiente. Mais ainda, os países em regime socialista deram lugar, após a década de 80, ao capitalismo democrático, o que estava supostamente excluído pela teoria. O impulso moral humanitário do socialismo original foi corrompido pelo historicismo alegadamente científico, que, ao proclamar que todos os princípios e valores morais são relativos ao contexto e época históricos, esvaziou a moral de todo e qualquer conteúdo autónomo, subordinando-a por inteiro à doutrina do sucesso histórico. A consequência do marxismo não se fez esperar, substituindo o marxismo teórico pelo marxismo das ditaduras mais sanguinárias.

     Outra atitude que esvazia a moral de conteúdo autónomo é o colectivismo, que atribui ao colectivo uma “essência” independente dos indivíduos que o compõem. Porque o colectivo se trata realmente de um conjunto de indivíduos, alguém vai ter que falar em nome do colectivo, o que abre as portas à tirania, ao líder que fala em nome da multidão e que em nome dela esmaga toda e qualquer oposição individual. No plano moral, rouba a responsabilidade moral ao indivíduo. Daí, Popper relembra o crucial contributo do Cristianismo para a emergência do individualismo altruísta, recordando que Cristo disse «ama o teu semelhante» e não «ama a tua tribo».

     Um outro inimigo da sociedade aberta é o naturalismo ético, que consiste em tentar reduzir normas a factos, como solução para superar a arbitrariedade das normas morais. Criticando esta postura, Popper afirma que «a principal doença do nosso tempo é um relativismo intelectual e moral», caracterizado pela negação da existência de verdade objectiva e/ou pela afirmação da arbitrariedade da escolha entre duas teorias. Ou seja, o único padrão moral seguro é o de que não existem padrões. É precisamente o que Popper critica sobre o positivismo ético: um enunciado é verdadeiro se e apenas se corresponde aos factos, e só este entendimento de verdade permite dar sentido ao conceito de erro. Sustenta que podemos aprender com os nossos erros e também podemos procurar padrões moralmente mais exigentes, o que é uma característica fundamental do liberalismo – a procura de padrões sempre melhores, políticos e legislativos.

     Para terminar, Popper defende que, hoje em dia, por abertura intelectual, a cultura de massas entende hoje um relativismo dogmático dogmático assente na certeza inabalável de que todos os pontos de vista são arbitrários. A sociedade aberta torna-se, então, numa sociedade à deriva, sem padrões morais substantivos, cuja única convicção moral é a negação de padrões e a perseguição intelectual a quem os tem.

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