Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves 23 julho 2011

MICHAEL OAKESHOTT: a crítica ao racionalismo e a disposição conservadora

     O pensamento de Oakeshott assimilou no seu melhor a grande tradição da liberdade individual e do pluralismo da civilização, propondo que em cada momento cada sujeito ousasse fazer da sua vida uma vida boa, sem prejuízo de nenhuma das outras vidas com que se vai comprometendo.
     Na linha do Idealismo inglês, uma das principais ideias que Oakeshott desenvolve, de raiz hegeliana, é a seguinte: no que interessa aos propósitos da prática humana, o real é aquilo que é cognoscível, pelo que, só o que pode ser conhecido pode ser experimentado. Ser real é, portanto, pertencer a uma experiência, e toda a experiência é uma "ideia", isto é, o conteúdo de uma  consciência. Assim sendo, a consciência não pode distinguir-se dos seus conteúdos.
     Segundo Oakeshott, a vida vai-se compondo de perspectivas parciais e experiências fragmentárias, mas algumas destas formas distintas são, em princípio, comuns a todos nós - "modos" da experiência - e identifica quatro: Ciência, História, Prática, Poesia. Oakeshott entendia os modos como autónomos e iguais, de forma que nenhum, por si só, pudesse conter a verdade total acerca da experiência, mas cada um participasse igualmente no todo, e o fizesse por "abstracção" dessa totalidade de que era apenas parte. Então, a nenhum modo poderia permitir-se qualquer tentativa de sobreposição ou contradição relativamente aos outros, embora todos tendam naturalmente a invadir o território alheio: interpretar a História à luz de princípios morais, religiosos ou políticos; procurar uma base científica para a moral ou para a política... Nada pode impedir um dos "modos" de construir um discurso interpretativo de uma realidade que não é naturalmente sua, mas esse discurso é sempre irrelevante, porque resulta de um erro de categorização.
     Na sua crítica ao Racionalista, afirma que este acredita que há apenas uma "razão", externa a todas as actividades e, por isso mesmo, válida para todas elas. Portanto, a posse da razão dá ao seu possuidor o direito de reorganizar o mundo de acordo com aquilo que julga serem os critérios estritos da racionalidade. A articulação dos ditames da razão constitui uma "ideologia", e esta materializa-se na prática sob a forma de um "plano" - um programa de acção abrangendo a realidade total e que encontra justificação intelectual na racionalização que lhe deu origem. Para Oakeshott, é absolutamente criticável a ideia de "planear" como forma apropriada para a organização de uma sociedade, porque uma sociedade não é um maquinismo, é pelo menos algo vivo, e o que dá vida e realiza as sociedades é a convergência não planeada das escolhas livres dos indivíduos que a constituem. O único conhecimento social praticamente relevante é aquele que está contido no conjunto das tradições inconscientes que foram emergindo na Prática e governam a sua evolução constante. Por isso, os "planos" estão não só condenados ao fracasso, o qual só pode ser adiado pelo uso contínuo da força repressiva, como constituem um ataque grave à possibilidade de evolução futura da própria actividade social, cujo livre desenvolvimento acabam por impedir. As tradições podem mais fielmente constituir-se como guias de qualquer actividade, visto terem-se desenvolvido como o fruto de um processo de aprendizagem por tentativas e erros, o qual pressupõe uma completa imersão na realidade a que respeitam, e não é por isso permeável a qualquer tentativa de racionalização.
     O erro Racionalista, portanto, é o de imaginar que o conhecimento técnico é a única forma racionalmente aceitável de conhecimento. Os seus próprios erros e falhanços históricos não constituem motivo de auto-aprendizagem, porque o erro nunca é assacado à teoria que a ele conduziu, mas a deficiências na respectiva execução. Em política, na ânsia de conduzir a sociedade pela senda da "perfeição", defendia políticas uniformizadoras incapazes de lidar com a livre variedade de escolhas singulares e reforçava obrigatoriamente a autoridade central do Estado.
     A relação apropriada a desenvolver entre os vários discursos com que se constrói o mundo humano é a "conversação", que se opõe ao argumento ou inquérito, sendo um fim em si mesma, não procurando conclusões mas tendo pela sua própria natureza um carácter permanentemente inconclusivo. Aceita as proposições ou argumentos que possam contribuir para o seu enriquecimento, mas não aceita o monopólio de qualquer tipo de discurso. Tudo o que é verdadeiramente importante na vida é um fim em si mesmo, não tem valor instrumental, e é, neste sentido estrito, literalmente "inútil". Todas as afirmações de carácter "modal" têm que se reconhecer a si mesmas como provisórias e relativas, têm que aceitar que outras espécies de experiências são possíveis. Uma conversação só pode ser bem sucedida numa situação de moralidade, sendo a acomodação de uns indivíduos aos outros na comunidade moral aquilo que caracteriza a conversação. Quanto ao governo, deve ser uma actividade específica e limitada, sem preocupações que não sejam as de manter a paz entre os cidadãos, permitindo-lhes desempenhar em liberdade as actividades que livremente escolheram na procura de felicidade. O objectivo político não pode ser um projecto, pelo que a única regra moral a promover é a da civilidade.
     A questão política da conduta humana coloca-se do seguinte modo: como conciliar liberdade individual e escolha plural, mantendo simultaneamente a coesão social e gerindo civilmente o inevitável conflito de interesses particulares? Oakeshott defendia que o problema teria uma solução dentro do que apelidava de "disposição conservadora". Não somos naturalmente conservadores, mas somo-lo necessariamente muitas vezes. Ser conservador não correspondia a seguir qualquer credo ou doutrina, mas antes dispor-se a pensar e a conduzir-se de uma certa maneira, preferir certas escolhas em determinadas circunstâncias, aprendendo a tirar partido das possibilidades do presente em vez de ansiar nostalgicamente por passados irrecuperáveis ou por eventos futuros incertos. O conservadorismo é, então, uma forma de estar, uma "disposição".O homem de temperamento conservador acredita que um bom presente é sempre preferível a um hipotético melhor futuro, e mostra-se mais disposto a usufruir o que lhe é seguro e conhecido do que a lançar-se em aventuras e explorações de final incerto.
     Como seres de "conversação", estamos permanentemente implicados numa relação infinda de auto-descoberta e associação, temos uma história e não uma natureza. Chamamos liberdade a esta realização histórica colectiva que o indivíduo aprende a cultivar na justa medida em que a reconhece como fonte de protecção individual e pré-condição dos compromissos que toma com os seus pares. Por isso, a disposição conservadora torna-se especialmente adequada no que diz respeito à política, visto que combina a observação e o respeito pela nossa maneira corrente de viver com a crença de que governar é uma actividade específica e limitada. O governo não deve impor qualquer crença perfeccionista ou dirigir a actividade dos sujeitos, mas apenas regular e administrar o jogo social, gerir o debate de acordo com as regras regras conhecidas mas sem participar dele. Os conservadores preferem reforçar as regras existentes do que inventar regras novas, o que fazem apenas em caso de uma insuperável necessidade de adaptação histórica.
    Concluindo, Oakeshott defendia que o que era preciso era recuperar o sentido perdido de uma sociedade cuja liberdade e organização nascem do poder integrador dum vasto e subtil corpo de direitos e deveres partilhados entre os indivíduos, que não são um presente da natureza mas o produto da nossa experiência e inventividade; e recuperar igualmente a percepção da nossa lei enquanto método vivo de integração social.
   

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