Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves 08 setembro 2011

     Anteontem, em conversa ao almoço, conversava sobre a perda do sentido ético e moral da sociedade em que vivemos e o caminho tenebroso que se avizinha no dia de amanhã. Então, punha-se uma questão interessante e, ao mesmo tempo, preocupante: será que as pessoas sabem realmente o que é a eutanásia e tomarem uma posição consciente perante ela? Provavelmente, e atirando um número ao calhas, cerca de 70% da população não sabe distinguir os vários tipos de eutanásia nem pesar devidamente os prós e contras desta prática. E quando vier um referendo? A maior parte das pessoas aprova esta prática, porque é opinião geral criticar ver uma pessoa a sofrer no hospital. Será que tudo se resume a isto? E é graças ao consequente liberalismo político e pluralismo a que somos impostos que as pessoas dispersam e perdem os valores morais realmente essenciais. Basicamente, a maior parte das pessoas não sabe o que quer e vai com a moda. E a moda agora é "Eutanásia, sim".




     A expressão "morrer com dignidade" transformou-se num slogan confuso. Por um lado, é proclamado por pessoas favoráveis ao desligamento de máquinas que mantêm o doente vivo. Por outro lado, é defendido por aqueles que, contra a transformação da pessoa humana num mero objecto, colocam-se contra o prolongamento abusivo da vida humana através de tratamentos extraordinários sem efeito.

     A questão fundamental é: o que é a eutanásia? A palavra é composta de duas palavras gregas ― eu e thanatos ― e significa, literalmente, "uma boa morte". Medicamente, significa uma morte medicamente assistida, a prática pela qual se abrevia a vida de um doente de maneira controlada e assistida por um médico.

     Dentro da eutanásia, podem-se distinguir dois tipos: eutanásia passiva e eutanásia activa. A eutanásia passiva significa deixar que o doente morra, ou seja, a supressão de qualquer tratamento médico que prolongue a vida. A eutanásia activa consiste em tomar medidas activas que provoquem a morte do doente.

     Por outro lado, há a distanásia. Etimologicamente, é o contrário da eutanásia - do grego dis, mal, algo mal feito, e thánatos, morte. Consiste em prolongar o mais possível a vida do doente, ainda que não haja esperança de cura, através de métodos de suporte avançado de vida.

     Por fim, existe a ortotanásia, termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente uma morte digna, sem sofrimento, entregue à evolução e percurso da doença. Evitam-se, portanto, métodos extraordinários de suporte de vida em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a esses cuidados, e dá-se primazia aos cuidados paliativos.



     Que postura é moralmente correcta?



     Ser doente não é sinónimo de ser sucata. Os hospitais têm sido convertidos em autênticas oficinas de reparações: ou se consertam os pequenos defeitos ou o destino é a sucata. Quem assim o ordenou foi a nova aristocracia do bem-estar e do controlo demográfico. A medicina tornou-se, numa palavra, um instrumento da engenharia social. Os médicos têm de compreender que o seu primeiro dever ético - o respeito pela vida - se concretiza, em primeiro lugar, no respeito pela vida debilitada. O respeito pela vida está ligado, de forma indissolúvel, à aceitação da sua vulnerabilidade, à fragilidade do homem e à inevitabilidade da sua morte.


     Legalmente, partindo do princípio que vivemos num Estado de Direito, temos o pressuposto da protecção da vida dos seus cidadãos. Também sabemos, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todas as pessoas têm o direito à vida, a cuidados de saúde e a segurança em caso de doença. Só por este prisma, desde logo percebemos que há um grande conflito ético em permitir a prática da eutanásia para "aliviar o sofrimento de uma pessoa". Tendo em conta o juramento de Hipócrates, os médicos deveriam considerar a vida algo sagrado e, consequentemente, a eutanásia considerar-se-ia homicídio. Cabe assim ao médico, cumprindo o juramento de Hipócrates, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência.


     eutanásia pode parecer um acto de liberdade mas, ao fim e ao cabo, trata-se da supressão da própria liberdade. Torna-se evidente a desumanização e anti-socialização pela eutanásia, porque ataca o próprio fundamento da comunidade que é a vida dos seus membros.

     Do ponto de vista moral, a eutanásia é totalmente condenável, mas é importante observar que a distanásia também o é. Ambas possuem em comum o facto de desviar a morte do seu curso natural. Enquanto a eutanásia antecipa a morte, a distanásia prorroga sua chegada. Tal como a eutanásia, a distanásia é irracional e eticamente reprovável. Criar situações nas quais se prolonga quantitativamente a vida de um doente, à custa de métodos extraordinários de suporte de vida, é inaceitável. A morte de um doente nem sempre representa o fracasso de um médico, o verdadeiro fracasso é impor a alguém uma morte desumana. É legítimo morrer dignamente, o que não é legítimo é antecipar ou retardar o processo de morte.


     A doutrina cristã afirma que a eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Todo o esforço feito para aliviar a dor é apreciado como uma obra de misericórdia, e ao mesmo tempo permite que seja dado à dor um sentido redentor e de purificação, que leva a que alguém o possa aceitar como expiação das culpas, sem que por isto se deva deixar de usar os meios que a possam evitar. Apelando ao princípio moral positivo da caridade, compreende-se a licitude do uso de meios que aliviam a dor, ainda que se possa produzir o efeito secundário não desejado de encurtar a vida do paciente, e de fazê-lo de tal modo que o doente não venha a ficar num estado de inconsciência que o impeça de cumprir os seus deveres. A Igreja, apesar de estar consciente dos motivos que levam a um doente a pedir para morrer, defende acima de tudo o carácter sagrado da vida. Ninguém escolhe por gosto a eutanásia. O doente incurável, terminal, quer mais é libertar-se do que terminar a existência, quer mais “uma outra vida” do que esta vida, o que permite concluir que nem este nem qualquer argumento contra a vida são convincentes: a vida impõe-se a todas as possíveis argumentações contrárias. A resposta contrária à eutanásia segue, então, a linha dos cuidados paliativos, no âmbito médico e de enfermagem, e do acompanhamento amigo, de forma a aliviar ou até eliminar a dor física, psíquica e espiritual. 


     A atitude moralmente correcta será, portanto, uma postura defensora da ortotanásia, ou seja, o uso de cuidados paliativos como instrumentos de preservação da dignidade humana nos momentos finais da vida.


     Nunca é lícito matar o outro, ainda que ele o quisesse e mesmo que ele o pedisse. Nem é lícito sequer quando o doente já não está em condições de sobreviver.

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