Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves 05 agosto 2011


ISAIAH BERLIN: da liberdade negativa à sociedade decente

     A filosofia de Berlin caracteriza-se fundamentalmente por uma defesa tenaz da liberdade e um ataque permanente ao dogmatismo inerente ao monismo.
     Berlin alerta-nos para o "poder das ideias" e para a influência que estas têm na formação e organização das nossas visões particulares do mundo. As duas grandes ameaças totalitárias que marcaram o século XX não podiam ser enfrentadas sem que se reconhecessem e compreendessem os alicerces filosóficos que as sustinham. As acções, noções e palavras políticas não são inteligíveis senão no contexto dos temas que dividem os homens que as usam, e o maior deles é a guerra sobre a questão da obediência e da coerção: "Porque é que eu devo obedecer a alguém? Porque é que eu não poderei viver como quero?"; "Se eu desobedecer, posso ser coagido? Por quem, em que medida, em nome de quê?".
     Para Berlin, existem dois modos de conceber a liberdade: uma forma negativa e outra forma positiva. Argumenta que cada um dos conceitos está vulnerável a ser pervertido, transformando-se no próprio vício em função da resistência ao qual o conceito foi pensado.
     A aproximação negativa remete-nos para a resposta à pergunta "Qual é a área na qual o sujeito deve ou pode agir sem a interferência de terceiros?", ou seja, um sujeito é livre na medida em que nenhuma pessoa interfira com a sua acção. Se essa interferência for além de um determinado nível, pode-se dizer que o sujeito está a ser coagido ou, no limite, escravizado. Isto é, só se pode falar em falta de liberdade na estrita em que um determinado agente se veja impedido de atingir um objectivo possível em resultado da interferência deliberada de outros seres humanos. No entanto, como a liberdade não é o único valor político nem o único propósito dos homens, pode ser necessária a sua restrição com vista, por exemplo, a evitar a injustiça ou a miséria generalizada, mas isto não deixa de ser um sacrifício à esfera de liberdade individual: «Se a minha liberdade depende da miséria de um número de outros seres humanos, o sistema que promove esta situação é injusto e imoral. Mas se eu restrinjo ou perco a minha liberdade, com vista a diminuir a vergonha de tal desigualdade, e com isso não aumento a liberdade individual de outros, ocorre perda absoluta de liberdade. Isto pode ser compensado por um ganho em justiça, ou em felicidade, ou em paz, mas a perda permanece, e é uma confusão de valores. (...) Restringir a liberdade não é fornecê-la, e a coacção, não importa quão bem justificada seja, é compulsão e não liberdade».
     Ao conceito negativo de liberdade, opõe-se um outro conceito positivo, que está implicado na resposta à pergunta: "O quê, ou quem, é a fonte de controlo ou de interferência que pode determinar alguém a fazer, ou ser, isto em vez daquilo?". Agora a questão reside em identificar e compreender o quê ou quem tem legitimidade para controlar, ou interferir sobre, o sujeito. Eu sou livre porque sou autónomo, eu obedeço a leis mas eu impu-las sobre mim próprio: liberdade é obediência, mas «obediência a uma lei que nós prescrevemos a nós próprios». Livre é o eu autónomo, aquele que é o senhor de si próprio, aquele que se libertou pela razão. Não obstante, o caminho da libertação pela razão não se restringe apenas ao indivíduo, ele pode e deve ser aplicado às relações entre indivíduos: «Pois se eu sou racional, eu não posso negar que o que é certo para mim deve, pelas mesmas razões, ser certo para os outros que são racionais como eu. Um Estado racional (ou livre) seria ser um Estado governado por leis tais que todos os homens racionais aceitariam livremente».
     Para Berlin, é um lugar-comum que a justiça e a generosidade, ou as lealdades privadas e públicas, podem conflituar violentamente entre si, e daqui pode-se generalizar que nem todas as coisas boas são compatíveis, e menos ainda os ideais da humanidade. Assim sendo, os conflitos de valores podem ser um elemento intrínseco e irremovível da vida humana: «A noção do todo perfeito, da solução derradeira, em que todas as coisas boas coexistem, não só me parece simplesmente inatingível mas conceptualmente incoerente. Alguns de entre os Bens Supremos não podem coexistir. É uma verdade conceptual. Estamos condenados a escolher, e cada escolha pode implicar uma perda irreparável». É neste sentido que se percebe um ataque contra as construções racionalistas monistas e dogmáticas, contra todas as formas de reducionismos que tudo esmagam contra o vazio mortal da uniformidade, porque ao arrogar-se detentor da verdade, o sistema irá inevitavelmente sufocar, oprimir e reprimir qualquer tentativa de liberdade. «O pluralismo (...) parece-me um ideal mais verdadeiro e mais humano do que os objectivos daqueles que, em estruturas grandes, disciplinadas e autoritárias, procuram o ideal do autodomínio positivo, por classes, por povos ou toda a humanidade. É mais verdadeiro, porque, pelo menos, reconhece o facto de os objectivos humanos serem múltiplos, nem todos comensuráveis, e em perpétua rivalidade entre si. É mais humano porque não priva os homens, em nome de um qualquer ideal, remoto ou incoerente, de muito do que descobriram ser essencial às suas vidas, enquanto seres humanos que se autotransformam de forma imprevisível».
      «O melhor que se pode fazer, como regra geral, é manter um equilíbrio precário que previna a ocorrência de situações desesperadas, de escolhas intoleráveis - é este o primeiro requisito para uma sociedade decente».

Em mãos

Em mãos

Mais lidos

Etiquetas

- Copyright © O que me faz correr -Metrominimalist- Powered by Blogger - Designed by Johanes Djogan -