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Posted by : Nuno T. Menezes Gonçalves
19 outubro 2012
«Já se viam chegados junto à terra
que desejada já de tantos fora,
que entre as correntes Índicas se encerra
e o Ganges, que no Céu terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
quereis levar a palma vencedora:
já sois chegados, já tendes diante
a terra de riquezas abundante!
|
A vós, ó geração de Luso, digo,
que tão pequena parte sois no mundo,
não digo inda no mundo, mas no amigo
curral de Quem governa o Céu rotundo;
vós, a quem não somente algum perigo
estorva conquistar o povo imundo,
mas nem cobiça ou pouca obediência
da Madre que nos Céus está em essência.
|
Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
que o fraco poder vosso não pesais;
vós, que, à custa de vossas várias mortes,
a Lei da Vida Eterna dilatais:
assim do Céu deitadas são as sortes
que vós, por muito poucos que sejais,
muito façais na Santa Cristandade,
que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!
|
Vede-los Alemães, soberbo gado,
que por tão largos campos se apascenta;
do sucessor de Pedro rebelado,
novo pastor e nova seita inventa;
vede'lo em feias guerras ocupado,
que inda co cego error se não contenta,
não contra o soberbíssimo Otomano,
mas por sair do jugo soberano.
|
Vede-lo duro Inglês, que se nomeia
rei da velha e santíssima Cidade,
que o torpe Ismaelita senhoreia
(quem viu honra tão longe da verdade?),
entre as boreais neves se recreia,
nova maneira faz de cristandade:
para os de Cristo tem a espada nua,
não por tomar a terra que era sua.
|
Guarda-lhe, por entanto, um falso rei
a cidade Hierosólima terreste,
enquanto ele não guarda a Santa Lei
da Cidade Hierosólima Celeste.
Pois de ti, Galo indigno, que direi?
Que o nome «cristianíssimo» quiseste,
não para defendê-lo nem guardá-lo,
mas para ser contra ele e derribá-lo!
|
Achas que tens direito em senhorios
de cristãos, sendo o teu tão largo e tanto,
e não contra o Cinífio e Nilo rios,
inimigos do antigo Nome Santo?
Ali se hão-de provar da espada os fios
em quem quer reprovar da Igreja o Canto.
De Carlos, de Luís, o nome e a terra
herdaste, e as causas não da justa guerra?
|
Pois que direi daqueles que em delícias,
que o vil ócio no mundo traz consigo,
gastam as vidas, logram as divícias,
esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tirania inimicícias,
que o povo forte tem, de si inimigo.
Contigo, Itália, falo, já sumersa
em vícios mil, e de ti mesma adversa.
|
Ó míseros Cristãos, pela ventura
sois os dentes, de Cadmo desparzidos,
que uns aos outros se dão à morte dura,
sendo todos de um ventre produzidos?
Não vedes a Divina Sepultura
possuída de Cães, que, sempre unidos,
vos vêm tomar a vossa antiga terra,
fazendo-se famosos pela guerra?
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Vedes que têm por uso e por decreto,
do qual são tão inteiros observantes,
ajuntarem o exército inquieto
contra os povos que são de Cristo amantes;
entre vós nunca deixa a fera Aleto
de semear cizânias repugnantes.
Olhai se estais seguros de perigos,
que eles, e vós, sois vossos inimigos.
|
Se cobiça de grandes senhorios
vos faz ir conquistar terras alheias,
não vedes que Pactolo e Hermo rios
ambos volvem auríferas areias?
Em Lídia, Assíria, lavram de ouro os fios;
África esconde em si luzentes veias;
mova-vos já, sequer, riqueza tanta,
pois mover-vos não pode a Casa Santa.
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Mas, entanto que cegos e sedentos
andais de vosso sangue, ó gente insana,
não faltarão cristãos atrevimentos
nesta pequena Casa Lusitana:
é na Ásia mais que todas soberana;
na quarta parte nova os campos ara;
e, se mais Mundo houvera, lá chegara.»
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Luís de Camões, Os Lusíadas
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